Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Moda sustentável/Moda e Consumo

De onde vem o que você está usando hoje?
O que moda tem a ver com consumo consciente? Primeiramente, em relação aos recursos naturais que utiliza, durante a produção de um artefato. Sabe-se que, dependendo do produto, a quantidade de água utilizada para a sua confecção é enorme, sem contar a poluição por elementos tóxicos para o tingimento.
Recentemente, grandes cadeias de roupa que ultrapassam suas fronteiras nacionais foram autuadas por dois motivos: uma, no Brasil, por empregar trabalho escravo de estrangeiros; outra por ter seus trabalhadores no Camboja passado por problemas graves de saúde. Segundo consta, os defensivos agrícolas utilizados nas plantações que fornecem as fibras para a confecção das peças eram altamente tóxicos. Mais de uma centena de trabalhadores foram intoxicados e chegaram a desmaiar.
Não é segredo para ninguém que grandes empresas transnacionais norte-americanas e européias transferem sua mão-de-obra para países periféricos, a fim de se livrarem de altas cargas tributárias, pesados impostos e pagamento de direitos trabalhistas. Nike, Adidas, só para ficar nas firmas calçadistas, cujos tênis são estrelas dos grandes dos esportes e cujas empresas investem milhões de dólares em publicidade, empregam mão-de-obra infantil na China, em condições de semi-escravidão. Orientais clandestinos se amontoam em pardieiros na Espanha para produzir roupas para empresas de confecção famosas; o mesmo acontece com o bolivianos em São Paulo; em Honduras, costureiras trabalham dia e noite em galpões asfixiantes, vigiados por homens armados. O produto de seu trabalho escravo segue para grandes magazines dos Estados Unidos, onde são vendidos por centenas de dólares. Os exemplos se multiplicam.
Fica a pergunta: as pessoas se incomodam com quem está produzindo a roupa ou o sapato que estão usando? O importante é mostrar a logomarca referência do momento e serem notadas como consumidoras que têm dinheiro para pagar por ela. Não importa sua procedência, mas o status que ganham expondo a sua marca.
E não é somente com a procedência do produto, em relação à mão-de-obra que o produz, que envolve o consumo consciente. Refere-se também à procedência do material empregado na sua confecção (tipo de fibra, se é totalmente natural ou não; se são usados agrotóxicos nas plantações que produzem as fibras; se o resultado final advém de pesquisas que produzem sofrimento nos animais ou se são materiais retirados de animais, como peles; quantidade de recursos naturais gastos na produção, como água, por exemplo).
A loucura por ostentar uma marca faz com que muitos o façam mesmo sabendo que sua procedência não é original. Muitos exibem logos famosos e espalhafatosos no intuito de serem olhados, admirados e invejados por exporem uma bolsa ou óculos de uma grife famosa, mesmo correndo o risco do ridículo de que as cópias são claramente percebidas como cópias.
A popularização (sim, popularização, pois hoje em dia, qualquer pessoa de classe menos privilegiada que queira se endividar e passar meses a pão e água pode passear com sua bolsinha de grife de três mil dólares - a mais em conta) das grandes grifes é resultado da segunda metade do século 20. E isso tem explicação. É por esse período que a indústria cultural começou a assolar a sociedade ocidental consumista e o consumo passou a ser a razão de existir dessa sociedade. Consumo e ostentação andam lado a lado. E quem não pode fazer isso com o verdadeiro, pode tentar com o falso. E a indústria pirata passa a trabalhar sem descanso para suprir esse lado da espetacularização dos menos abastados.
Possuir peças de grifes famosas passou a ser não mais somente uma busca pela qualidade dos artigos de luxo, mas uma tentativa de se distinguir da multidão, portando algo que o destaca frente aos outros mortais (passear com uma bolsinha de grife é sinal de status, admiração, destaque - e inveja, é o que dizem). Mas como ser diferenciado? Para isso é preciso que as pessoas que não alcançam esse Éden pelo menos saibam que ele existe e quanto custa. Entra aí com seu poder de alcance inabalável a mídia, que mostra, divulga e conta a importância - e o preço - dessas mercadorias. Assim, celebridades do momento podem desfilar com seus objetos de desejo e se distanciarem da massa. Revistas femininas mostram mimos de marca para a classe “AAA” e seus respectivos valores, escancarando assim à maioria que vive em um país pobre como o nosso a impossibilidade total de aceder ao Olimpo das grifes.
Logo que Kate Middleton entrou para a realize, vi, em um blog de moda, uma sequência de fotos de Pipa Middleton, a cunhada real, transformando-se na nova queridinha dos fashionistas daquela ocasião. As imagens mostravam uma Pipa descontraída andando pelas ruas de Londres, indo ou voltando para o trabalho. Estava simples e bonita, como essas moças estilosas com as quais nos deparamos nas ruas de vez em quando. Uma observação da blogueira: “Percebemos que Pipa não possui um vasto guarda-roupa, pois repete, em algumas imagens, a mesma jaqueta”. Como assim? Algum problema? A cunhada do príncipe não pode repetir sua jaqueta de couro pelas ruas? Triste observação.
Fechando: não estou falando aqui de gente que pode rasgar dinheiro e por isso mesmo sai por aí rasgando; tampouco falo de pessoas que afirmam que não repetem jamais uma peça. Hum? O que isso que dizer? Que provavelmente não têm uma peça favorita no armário, que não herdaram uma peça incrível do guarda-roupa da avó ou da mãe. Glorinha Kalil pra elas, pois a noção de “ser chic” vai mais além de ostentar e consumir sem consciência.


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