Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Tecidos

Algodão
            Você já pensou sobre a origem dos tecidos? Pelo menos daqueles considerados naturais, provenientes de fibras cultivadas, como o algodão, o linho, a seda, a lã? Sabe qual a história dessas fibras e como começaram a ser utilizados para a confecção de roupas?
            Para nós, dos trópicos, o algodão é de longe a fibra mais popular e talvez a mais querida. Afinal, é natural, é macia, confortável, bonita, fácil de manusear, seja para a confecção, seja para os cuidados diários. É resistente e democrática, vai bem em qualquer lugar, para sair ou para dormir. Será que sempre foi assim? Será que antes, muito antes, todos usavam o algodão da mesma maneira? Certamente não. Essa fibra, considerada no período colonial pouco nobre, cobria os corpos dos serviçais e da gente simples. As pessoas de posses importavam sedas, veludos e outros tecidos considerados nobres.
            Alguém já viu uma plantação de algodão, na época da colheita? É um cenário belíssimo, com as flores estourando em grandes punhados de fibra branca, contrastando com o verde das folhas e o céu azul, pois normalmente o céu está sempre azul na época da sua colheita, caso contrário, se fosse na época das chuvas, a perda seria imensa.
            Durante séculos, seu cultivo, pelo menos no nosso país, foi manual. Sazonalmente, milhares de trabalhadores rurais, entre eles mulheres e crianças, dirigiam-se aos campos para a colheita. A preferência por mulheres e crianças deve-se ao fato de terem as mãos mais delicadas e por isso, conseguirem arrancar os cachos sem danificar a fibra. Vale lembrar que, embora a fibra seja macia, as folhas são ásperas e machucam muito as mãos de quem colhe, geralmente não utilizando nenhum tipo de proteção.
            O plantio de algodão no Brasil, via de regra, sempre foi feito pela agricultura familiar, ou seja, pequenos proprietários que plantavam com a ajuda da família. Na época da colheita, ou contavam com a ajuda dos mutirões - revezavam-se os vizinhos de plantações para ajudar ou então se contratava algumas pessoas para ajudar.
            Com o passar do tempo, com a industrialização e a crescente demanda pela fibra foi fazendo com que sua plantação deixasse aos poucos de ser de responsabilidade da agricultura familiar para ser explorada por grandes proprietários. Nessas ocasiões contratavam mão-de-obra local ou regional e o pagamento pela colheita era feito pelo peso da saca, normalmente um preço muito baixo. Como o algodão é muito leve, os colhedores tinham que trabalhar arduamente para preencher o maior número de sacas possível por dia para que o peso final compensasse alguma coisa.
            Em algumas grandes propriedades, a colheita é feita através de grandes máquinas, que de uma vez só realizam o trabalho de muitas pessoas. Conseqüência? Desemprego no campo.
            Antigamente, as fibras, quando cultivadas nas pequenas propriedades para consumo próprio, eram tecidas pelas mulheres da casa em grandes rocas. Feitos os fios, eram então trabalhados e tecidos em máquinas rudimentares de tear e aí, então transformadas de acordo com a necessidade: roupas, cobertas, mantas, toalhas, tapetes.
Hoje, a utilização do algodão ultrapassou as fronteiras populares e ter algo 100% algodão é motivo de felicidade, pois costuma-se misturar material sintético a essa fibra.
Outra questão que envolve o algodão é o seu cultivo. Como existe no Brasil uma praga que o ataca e que impede que suas flores desabrochem, as plantações são constantemente pulverizadas com agrotóxicos. Além de fazerem mal às pessoas que têm contato com ele durante a aplicação e a colheita, uma vez processado, seu resíduo cai na corrente pluvial ou no solo, contaminando tudo. Fora isso, resíduos sempre acabam ficando nas fibras e, consequentemente, no produto final. É justamente esse tipo de resíduo que tem feito o sofrimento de muitos trabalhadores dos países pobres, pois ao manipularem as fibras para a confecção das roupas, respiram o produto e também têm contato com ele através da pele. Em muitos países onde se instalam fábricas de roupas multinacionais, os governos locais não têm regulamentação sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos e seu uso é liberado. O que muito consumidor de países ricos não sabe é que, ao adquirir um produto feito na China ou feito no Camboja, por exemplo, sua roupa pode ainda ter resíduos daqueles produtos. Embora proibidos nos países ricos, muitos agrotóxicos vindo dos países onde as roupas são confeccionadas acabam contaminando seus rios, pois, uma vez lavadas essas roupas, os resíduos caem na corrente pluvial e se espalham. Há alguns trabalhos científicos sobre isso.
            Hoje é possível encontrar fibras naturais, como o algodão, cultivadas de acordo com os princípios da agroecologia, nos quais o uso de defensivos agrícolas químicos está banido. Mas seu custo ainda é muito alto para o consumidor.

            Da próxima vez que vestir sua camiseta confortável, para praticar esporte, passear ou dormir, pense nisso: qual foi o caminho percorrido por essa fibra até chegar à sua minha gaveta?

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