Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Moda sustentável/Consumo consciente

La beauté est dans la rue

Com essas palavras, grupos de jovens que pregavam mais liberdade e democracia no ensino francês saíram às ruas em maio de 1968. Em pouco tempo, o movimento espalhou-se por vários países ocidentais e ainda hoje é relembrado com uma das maiores manifestações culturais do século XX.
Tomando as palavras “A beleza está nas ruas”, podemos imaginar como essa frase repercute na década de 2010. Mais do que a beleza, a liberdade e a democracia no vestir ajudaram as pessoas a expressarem sua individualidade, criatividade, originalidade.
A roupa que apresento vem sob essa aura. E nada melhor para expressar a liberdade do que um caftan, um jebalah, um bubu. Esse estilo de roupa, solto, com estamparia colorida, étnica, ou totalmente branco, traz liberdade de movimento para quem o usa, geralmente habitante de lugares de temperatura muito elevada. Em alguns países árabes, os homens portam suas vestimentas soltas, brancas, imaculadas para enfrentarem o sol acima de 40 graus. Há quem afirme que até mesmo o próprio chador, tão criticado pela cultura ocidental por aprisionar as mulheres, tem um quê de sentido de liberdade, a partir do momento em que as protege dos olhares “de fora”, envolvendo-as em um invólucro de privacidade.
            Em várias regiões da África Central, as mulheres usam o bubu sobre a pele, somente, muitas vezes por não terem recursos para outra vestimenta, inclusive roupas íntimas. Na África do Norte, homens e mulheres envolvem-se em roupas soltas, acrescidas de turbantes e tecidos que cobrem seus rostos para protegerem-se do sol e das repentinas tempestades de areia. São romanticamente chamados de les hommes bleus, pois tingem as roupas de azul e transformam-se em figuras espectrais quando em contraste com a areia amarelada do deserto. No Marrocos, o jeballah vem acompanhado de um capuz, hoje usado apenas como acessório tradicional.
            O responsável por fazer releituras dessa vestimenta nos anos 2010 foi Roberto Cavalli. Não só nas estampas de animais, mas nos vestidos longos e fluidos com as quais eram confeccionados. Assim, o look apresentado tem como referência as raízes da “mama” africana, forte, generosa, inseparável dos seus filhos mesmo quando está lidando nos campos agrícolas. Em qualquer lugar que esteja, leva amarrado consigo às costas seu filho até que ele complete pelo menos dois anos de idade. Sua vida é dura e talvez por isso mesmo, os padrões dos tecidos que usa são sempre muito coloridos e alegres. O mesmo tecido com que envolve seu corpo cobre a cabeça em uma produção que lembra um turbante e ainda utiliza a mesma estamparia para fazer um pano retangular com o qual amarra seu bebê às costas. Essa roupa uma homenagem às mulheres e mães modernas, que buscam, antes de tudo, conforto, praticidade, segurança. Se não carregam por aqui seus filhos atados às costas, procuram estar próximas a eles de alguma maneira.
            O rosto encoberto, originalmente uma referência às mulheres do Maghreb, do Norte da África, coberta por imposição religiosa ou por proteção contra a areia do deserto, remete hoje para o anonimato, para a individualidade, para o oposto da hiper exposição midiática e das redes sociais. Paralelamente, lança nosso olhar para as milhares de mulheres incógnitas que, mesmo longe de qualquer padrão de consumo, emprestam sua força e graça para a inspiração da moda. É a moda de rua que começa a despontar com força e estilo nos anos 2010.
Procurou-se trazer a idéia do conforto dos caftans - os bubus da África Central - aliada à estamparia de animal, tendência dos anos 2010, com uma pitada de brasilidade, expressa na renda de algodão cru. O tecido utilizado foi o jeans, tecido tema do trabalho, na cor cáqui. Ele foi estampado com motivos de pele de onça com tinta acrilex, aplicada através de um molde. Esse tom, por sua vez, faz referência a Yves Saint Laurent, que tinha grande atração pela África do Norte, a ponto de comprar uma propriedade em Marrakech, em 1980, chamada Jardin Majorelle, que transforma em moradia e ateliê, após empreender a restauração do lugar. Foi o estilista responsável, na década de 1970, pela introdução da roupa safári, um clássico até hoje, inspirado pela aventura a liberdade das savanas africanas. Os tons desse estilo são os terrosos, nude, marfim, laranja; o corte é reto, estruturado, lembrando a alfaiataria. São roupas utilitárias que inspiram conforto.
            Concluindo, a idéia é a de aproximação de povos que, se geograficamente estão distantes, no mundo globalizado acabam tornando-se próximos, mesmo porque não podemos nos esquecer que uma das vertentes da nossa cultura vem do outro lado do Oceano Atlântico: a África.


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