La beauté est dans la rue
Com essas palavras, grupos de jovens que pregavam mais liberdade e
democracia no ensino francês saíram às ruas em maio de 1968. Em pouco tempo, o
movimento espalhou-se por vários países ocidentais e ainda hoje é relembrado
com uma das maiores manifestações culturais do século XX.
Tomando as palavras “A beleza está nas ruas”, podemos imaginar como essa
frase repercute na década de 2010. Mais do que a beleza, a liberdade e a
democracia no vestir ajudaram as pessoas a expressarem sua individualidade,
criatividade, originalidade.
A roupa que apresento vem sob essa aura. E nada melhor para expressar a
liberdade do que um caftan, um jebalah, um bubu. Esse estilo de roupa, solto, com estamparia colorida, étnica,
ou totalmente branco, traz liberdade de movimento para quem o usa, geralmente
habitante de lugares de temperatura muito elevada. Em alguns países árabes, os
homens portam suas vestimentas soltas, brancas, imaculadas para enfrentarem o
sol acima de 40 graus. Há quem afirme que até mesmo o próprio chador, tão criticado pela cultura
ocidental por aprisionar as mulheres, tem um quê de sentido de liberdade, a
partir do momento em que as protege dos olhares “de fora”, envolvendo-as em um
invólucro de privacidade.
Em várias regiões da África Central,
as mulheres usam o bubu sobre a pele,
somente, muitas vezes por não terem recursos para outra vestimenta, inclusive
roupas íntimas. Na África do Norte, homens e mulheres envolvem-se em roupas
soltas, acrescidas de turbantes e tecidos que cobrem seus rostos para
protegerem-se do sol e das repentinas tempestades de areia. São romanticamente
chamados de les hommes bleus, pois
tingem as roupas de azul e transformam-se em figuras espectrais quando em
contraste com a areia amarelada do deserto. No Marrocos, o jeballah vem acompanhado de um capuz, hoje usado apenas como
acessório tradicional.
O responsável por fazer releituras
dessa vestimenta nos anos 2010 foi Roberto Cavalli. Não só nas estampas de
animais, mas nos vestidos longos e fluidos com as quais eram confeccionados.
Assim, o look apresentado tem como
referência as raízes da “mama” africana, forte, generosa, inseparável dos seus
filhos mesmo quando está lidando nos campos agrícolas. Em qualquer lugar que
esteja, leva amarrado consigo às costas seu filho até que ele complete pelo
menos dois anos de idade. Sua vida é dura e talvez por isso mesmo, os padrões
dos tecidos que usa são sempre muito coloridos e alegres. O mesmo tecido com
que envolve seu corpo cobre a cabeça em uma produção que lembra um turbante e
ainda utiliza a mesma estamparia para fazer um pano retangular com o qual
amarra seu bebê às costas. Essa roupa uma homenagem às mulheres e mães
modernas, que buscam, antes de tudo, conforto, praticidade, segurança. Se não
carregam por aqui seus filhos atados às costas, procuram estar próximas a eles
de alguma maneira.
O rosto encoberto, originalmente uma
referência às mulheres do Maghreb, do Norte da África, coberta por imposição
religiosa ou por proteção contra a areia do deserto, remete hoje para o
anonimato, para a individualidade, para o oposto da hiper exposição midiática e
das redes sociais. Paralelamente, lança nosso olhar para as milhares de
mulheres incógnitas que, mesmo longe de qualquer padrão de consumo, emprestam
sua força e graça para a inspiração da moda. É a moda de rua que começa a
despontar com força e estilo nos anos 2010.
Procurou-se trazer a idéia do conforto dos caftans - os bubus da
África Central - aliada à estamparia de animal, tendência dos anos 2010, com
uma pitada de brasilidade, expressa na renda de algodão cru. O tecido utilizado
foi o jeans, tecido tema do trabalho, na cor cáqui. Ele foi estampado com
motivos de pele de onça com tinta acrilex, aplicada através de um molde. Esse
tom, por sua vez, faz referência a Yves Saint Laurent, que tinha grande atração
pela África do Norte, a ponto de comprar uma propriedade em Marrakech, em 1980,
chamada Jardin Majorelle, que transforma em moradia e ateliê, após empreender a
restauração do lugar. Foi o estilista responsável, na década de 1970, pela
introdução da roupa safári, um clássico até hoje, inspirado pela aventura a
liberdade das savanas africanas. Os tons desse estilo são os terrosos, nude,
marfim, laranja; o corte é reto, estruturado, lembrando a alfaiataria. São roupas
utilitárias que inspiram conforto.
Concluindo, a idéia é a de
aproximação de povos que, se geograficamente estão distantes, no mundo
globalizado acabam tornando-se próximos, mesmo porque não podemos nos esquecer
que uma das vertentes da nossa cultura vem do outro lado do Oceano Atlântico: a
África.
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