Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Moda sustentável/Consumo consciente

Desperdício
            Por onde começar a reflexão sobre moda sustentável? Por que não a partir do desperdício? Em um país acostumado ao desperdício como o nosso, levar a reflexão sobre o consumo responsável nem sempre é tarefa fácil.
            Somada à questão cultural de que aqui é terra da abundância - “em se plantando tudo dá”; de que aqui é uma terra privilegiada - “não somos assolados por guerras, terremotos, vulcões”; que “temos espaço, terra e água de sobra, além de sol o ano inteiro”, a ideia de que a abundância não precisa ser equilibrada com uso parcimonioso das coisas, como recursos naturais, por exemplo, é pensamento corriqueiro.
            Uma visão clara da nossa ideia da abundância são os restaurantes self service, onde não raro podemos ver pessoas passando com pratos montanhosos, cujos alimentos muitas vezes sobram ao final das refeições.
            O que muita gente não sabe - ou pelo menos tenta não perceber - é que cerca de 15 milhões de pessoas estão na linha da miséria no nosso país, o que significa que não têm o que comer.
            Outro exemplo: o desperdício de água. Nas minhas caminhadas diárias ao redor das praças do meu bairro, o que mais vejo de manhã são pessoas “varrendo” as calçadas com mangueiras de água, empurrando pacientemente uma folhinha rua abaixo até que ela entre cuidadosamente no bueiro da esquina. Bom, temos abundância de água, muitos recursos hídricos, o aquífero Guarani, maior reserva de água doce do mundo, é o que dizem.
            E daí? Chegamos à questão. Ter muito dá o direito de desperdiçar? Quando falamos de consumo consciente, várias coisas entram em questão. O desperdício de recursos naturais é uma delas.
            Podemos dizer que alguém tem muito de algo, por isso esbanja. Esse é o princípio. No entanto, tem gente que tem muito de alguma coisa, mas por motivo de consciência com o mundo em que vive, não desperdiça.
            Voltando à questão da água, se você sabe que a água é um recurso natural, um bem natural, e que em muitos lugares do planeta grande parte da população não dispõe de água potável, é no mínimo constrangedor desperdiçar esse recurso. Questão de consciência.

            Até os meus vinte e poucos anos não havia pensado sobre isso. Mesmo porque onde vivia não havia essa discussão de uma maneira generalizada. A noção de desperdício vinha de casa, da família, que ensinava que não se devia desperdiçar comida, ou seja, deve-se servir somente daquilo que vai comer. Para convencer as crianças, havia uma nota, um quê de menções religiosas amedrontadoras, do tipo “é pecado deixar comida no prato”, fosse lá o que isso significasse e, para os mais novinhos, “se não comer o bicho papão vai te pegar”. Ai, aí sim, o prato era raspado.
            Fora isso, a lembrança não me alcança discussões mais sérias a respeito. Reaproveitar, restaurar, reutilizar, reciclar, são termos que vim a compreender mais tarde, em sua completa dimensão. E não em nosso pobre país, carente de todas essas atitudes, mas em um país rico.
            Quando morei na Alemanha, comecei logo no início a perceber que as pessoas tinham uma outra dimensão em relação ao meio em que viviam. Claro, imagino que chegaram a esse grau de conscientização a duras penas: duas grandes guerras, muita fome e muita necessidade. Mas usaram essas épocas devastadoras a seu favor e hoje é uma das sociedades mais ecologicamente conscientes do planeta.
            As pessoas levavam suas sacolas de pano ao supermercado, cujas compras eram feitas sempre aos poucos, aquilo que cabia em suas duas ou três sacolas e que muitas vezes podiam ser acomodadas nas cestas das bicicletas (nada parecido com o que eu vivia aqui, com as idas ao supermercado mensais, e a cada compra os carrinhos vinham abarrotados de coisas, como se eu estivesse estocando para uma guerra iminente). Os saquinhos de plástico dos supermercados existiam, mas custavam 0,3 centavos de marcos (moeda alemão antes do euro) mas, para além da questão do preço, as pessoas preferiam levar as de pano, muitas vezes com mensagens ecológicas estampadas. Ainda conservo 4 dessas sacolas trazidas de lá.
            Além disso, os bairros possuíam as estações de coleta seletiva e os habitantes levavam periodicamente garrafas, papéis e vidros para lá. O lixo orgânico, que era coletado pelo município, era exclusivamente orgânico, e tinha também o seu destino em estações de tratamento e compostagem.
            Talvez por não contarem com muitas fontes naturais de água potável, os alemães, percebi desde o início, tinham um respeito muito grande com a água que utilizavam. Escovar os dentes com a torneira aberta, por exemplo, era algo impensado.
            Foi por essa época que comecei a pensar em como fazemos certas coisas sem pensar. Ações simples, cotidianas, individuais, levam à conscientização de atitudes que, para além do futuro, ganham dimensões incríveis.
            Vivemos em uma sociedade consumista, e não podemos fugir dela, mas podemos minimizar seus efeitos devastadores. O apelo consumista é direto, firme, intenso e nos assola, principalmente a nós, mulheres, assim que ligamos a TV, assistimos a um filme, folheamos uma revista, botamos os pés para fora de casa. Tudo brilha ao nosso redor e nos convida a experimentar. Muitas não resistem. Muitas se endividam. Muitas consomem sem pensar e, tardiamente, se arrependem.
            Quando voltei, o choque inevitável: por que aqui não podemos fazer o mesmo? Por que desperdiçamos tudo, misturamos tudo, não temos reciclagem, não damos o passo simples e correto? Precisei esperar muito para ver as primeiras manifestações de coleta seletiva de lixo e ainda assim, nem todas as pessoas do meu bairro separavam o que deveria ir para a reciclagem. E olha que morava no reduto intelectual da cidade, o bairro que abriga a nossa universidade, a Unicamp.
            Passados anos, parece que a discussão finalmente chegou aqui, a passo de escargot. A coleta seletiva existe em alguns bairros, mas ainda não funciona em sua plenitude. Depois de meses de seca, campanhas na TV pedem para a população não “varrer” a calçada com água, não lavar carros, pensar em maneiras de economizar água. Depois de algumas iniciativas frustradas, os saquinhos plásticos voltaram com tudo no supermercado e observo tristemente as pessoas embalando quase que cada item de suas compras em um saquinho separado - às vezes fico vendo isso e pensando que, se pudessem, embalariam cada banana da penca separadamente. É uma fúria avassaladora pelos saquinhos plásticos. “Atenção, é grátis, vamos pegar o máximo que pudermos!!!”.
            O importante é não desistirmos. Se cada um fizer sua parte, quem sabe um dia chegaremos “lá”.


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