Moda sustentável/Consumo consciente
Moda sustentável: é possível produzir sem agredir
Andréia Terzariol Couto
Hoje em dia, cada vez mais, as
empresas estão se posicionando de forma a deixar claro para os consumidores sua
visão em relação à forma de produzir. Os consumidores, por sua vez, a cada dia
se interessam mais pela forma como os produtos chegam até suas mãos. O número
de consumidores interessados na cadeia produtiva das empresas está crescendo,
juntamente com a consciência ecológica.
Até a década de 1990, preocupar-se
com natureza, de uma forma geral, levantar discussões ambientais em uma roda de
amigos ou defender o direito dos animais era visto como algo aborrecido, chato,
de gente que não tinha o que fazer. A alcunha de “eco chatos” veio na
sequência. Várias foram as charges e piadas que cercavam as pessoas que
defendiam os direitos a uma vida menos poluída, com mais verde, contra o
desmatamento desenfreado, a exploração predatória de recursos naturais, fossem
em mineração, pesca, ou alguma outra forma. Os defensores da natureza eram
retratados como pessoas sem noção que se deixavam acorrentar em árvores para
que elas não fossem cortadas ou que faziam qualquer tipo de loucura para
criarem algum fato que ganhasse a mídia.
O Green Peace, uma organização global não governamental de proteção
ao meio ambiente e uma das de maior visibilidade e credibilidade quando o
assunto é ambientalismo, sempre pautou algumas de suas atitudes em ações
espetaculares ao redor do mundo, e os participantes que congregam os ideais
dessa organização aceitam participar das ações enfrentando toda a sorte de
perigo. A última grande ação do Green
Peace ocorreu em setembro desse ano e ocasionou a prisão de 28 de seus ativistas pelo governo russo, que acusou o
grupo e a entidade de pirataria, por protestarem contra a exploração de
petróleo no Ártico. Nos últimos dias, até mesmo celebridades como Paul
McCartney e Madona enviaram apelos ao governo russo pela libertação dos
ativistas, ao que parece, até agora, sem sucesso.
A distância que nos separa hoje dos
acontecimentos discutidos na RIO 92 fez mostrar ao público e aos governos que
os eco chatos podiam até ser chatos, mas tinham razão. A olhos vistos, e a uma
velocidade preocupante, a paisagem vai se transformando, assim como o clima, o
ar, a qualidade das águas fluviais, a qualidade dos alimentos, o aumento da
falta dele em algumas regiões, bem como de algumas pragas e do buraco da camada
de ozônio. Começa-se a perceber que uma ameaça silenciosa está se aproximando.
Em vinte e dois anos, pôde-se perceber que a velocidade das transformações
climáticas tornou-se algo preocupante para todos, não apenas para um punhado de
ambientalistas. Ou nos preocupamos agora ou nada restará às futuras gerações.
Estamos hipotecando seu futuro e talvez elas não tenham como pagar essa dívida.
A cegueira da produção sem fim, o
sistema produtivo predatório, a fúria consumista estão levando à degradação do
planeta a uma velocidade muito grande. Nesse sistema, consumidores alienados
deixam-se levar pela propaganda hipnótica do querer cada vez mais e pressionam
por novidades, que chegam ao comércio.
E onde entra a Moda nisso tudo?
Diga-me como te vestes e eu te direi quem
és
Basta um pequeno
olhar pela História da Moda, ou História do Vestuário, pois até séculos
recentes, tudo o que as pessoas se preocupavam em termos de novidade em “moda”
era a renovação anual do vestido ou casaca de domingo.
Historicamente falando, a
preocupação do indivíduo com essa palavra dá seus primeiros passos no início do
Renascimento e ainda assim, a noção de moda referia-se a alguns detalhes que
demoravam anos para transformarem-se. E moda era algo com que somente as
classes privilegiadas podiam preocupar-se, uma vez que as classes subalternas
pouco freqüentam lugares de lazer, como teatros, óperas, salões de bailes. O
lazer das classes menos abastadas restringia-se à visita semanal ao culto
religioso, passeios no parque, reuniões familiares. E para isso bastavam as
roupas (poucas) reservadas estritamente para essas ocasiões.
O cenário começa a se transformar,
na Europa, com a Revolução Industrial, a saída em massa de camponeses do campo
em direção às fábricas nas cidades e o emprego de mulheres como força de
trabalho. Das fábricas para o comércio, a mulher começa não somente a sair
mais, mesmo que seja para o trabalho, mas também passa a receber um dinheiro
que antes não lhe era acessível. Passa a ser assalariada, consumidora.
Já no século XX, os períodos das
duas guerras mundiais chamam novamente as mulheres a ocuparem postos de
trabalho, dessa vez não para complementar a mão-de-obra masculina, mas para
substituí-la, uma vez que os homens se encontravam-se em batalha ou mortos. A
vestimenta feminina passa a ser mais prática, mais resistente. Após a Segunda
Guerra, a mulher não volta mais para o lar, continua trabalhando e necessitando
de roupas mais práticas, que possam ser usadas mais vezes sem que deformem ou
amassem. A indústria têxtil vem ao seu auxílio e surgem o naylon, o rayon, a lycra. A roupa é lavada após o trabalho,
pendurada em um cabide no banheiro e na manhã seguinte está pronta para o uso.
Mas a indústria têxtil e o comércio
percebem que essa praticidade poderia levar as mulheres a consumirem menos.
Como levá-las a “precisar” de mais peças, desejar mais roupas? E ainda: como
tornar essa roupa mais acessível à mulher trabalhadora, recém emancipada? A
resposta estaria nos grandes magazines e na roupa prêt-a-porter, ou pronta para usar, um conceito disseminado nos
anos 1960 que existe até hoje. Nada de costureiras personalizadas, que
costuravam as roupas sob medidas. Nos magazines era possível encontrar variadas
peças do vestuário prontas para usar, pois havia a padronização das medidas e
cada qual escolhia o seu número sem precisar esperar pelos ajustes da
costureira.
Naturalmente que essa transformação
na forma de consumir roupa tem como base a transformação da produção do
vestuário. Exércitos de mulheres passam a ser recrutadas para as fábricas e, em
um ritmo acelerado, como manda o modo de produção capitalista, passam a
trabalhar horas a fio, em condições e salários extremamente desfavoráveis (para
elas). As revistas de moda, cujo auge tem lugar em meados do século 20, são o
sustentáculo dessa produção em série: repletas mensalmente de “novidades”,
detalhes, desejos, ajudam a impulsionar as vendas de roupas e agora também de
todo um arsenal de necessidades: os acessórios. Calçados, cintos, bolsas,
bijuterias e mais o que surgir para ajudar a compor o look feminino, que agora passa a ser datado em estações. Nada é
para sempre. Nada é atemporal. A moda exige mudanças periódicas, e a mulher de
bom gosto deve segui-la à risca, para não ser apontada pelas outras (será que
os homens perceberiam se naquela determinada estação não se estava mais usando
bolinhas, e sim xadrez?) como démodé.
O século XXI chega: a degradação ambiental
e a exploração do trabalho se aceleram, mas a conscientização aumenta
Recentemente, mais precisamente, no
ano passado, 2012, uma importante loja espanhola instalada em nosso país, foi
acusada de empregar trabalho escravo em suas confecções. Pressionada pela
imprensa, defendeu-se alegando que terceiriza sua produção, portanto quem havia
empregado os pobres escravos era a empresa contratada. Ou, seja, uma empresa
como a Zara quis dizer que não se envolve em todas as etapas do processo
produtivo da sua marca.
Mais recentemente ainda, durante as
aulas do curso de Design de Moda, durante uma interessante discussão sobre o
processo produtivo de certos produtos que chegam às mãos da consumidora a
preços exorbitantes, mas que são na verdade produzidos por pessoas em um país
distante em condições de semi escravidão, alguém argumentou: “não quero
defender o trabalho escravo, mas se não trabalharem assim não vão morrer de
fome?”
O que se pode dizer desses dois
exemplos é o seguinte: a Moda, a indústria da moda é uma indústria como outra
qualquer, portanto, segue uma lógica de produção que está inserida dentro de um
sistema que visa o lucro, em primeiro lugar, em último, as condições de
trabalho das pessoas envolvidas nesse processo. Por fim, que a reflexão acerca
desse processo entre muitos, inclusive de alunos de um curso de Moda, é zero.
Não é novidade hoje para ninguém que
a indústria da moda é tão predatória e nefasta como a da mineração, por
exemplo, quando se trata das condições de trabalho daqueles que emprega. O
mundo da moda talvez seja ainda mais perverso por produzir desejos, peças
lindíssimas, fetiches para qualquer consumidora, que muitas vezes paga sem
pensar milhares de dólares por um produto fruto de exploração. A mesma moda que
instituiu a pele como o máximo em termos de aquisição chique - hoje,
eufemisticamente, os vendedores dizem que as peles são procedentes de fazendas
de criação, não mais de animais abatidos através da caça. Ufa, que bom para as
focas, os leopardos, os jacarés, as raposas. Alguns de suas espécies estão
sendo criados para fornecerem suas belas peles e couro, portanto, as poucas que
restaram e só estão no limiar da extinção - podem respirar sossegadas.
É também a moda que prega que
precisamos de novidade. Pelo menos a cada duas temporadas no ano. Assim, o
ritmo das novidades deve acelerar-se, a criatividade posta a serviço da
produção. Basta pensar na oferta dos produtos chineses do vestuário. Uma camisa
chinesa é vendida no varejo a R$ 5,00. Qualidade à parte, para que ela, a
camisa, chegue às mãos do consumidor a esse preço, após todo o processo de
produção do qual fez parte, de atravessar o oceano e ter participado de toda a
logística de distribuição, podemos ter uma idéia de quanto, lá na China, a
pessoa que a confeccionou recebeu.
Esse cenário desalentador tem sua
contrapartida. Enquanto empresas aceleram sua produção com o único intuito de
visar o lucro, outras surgem na contramão desse pensamento.
É aqui que entra a discussão sobre
sustentabilidade, que é o conjunto de ações e atividades humanas que visa
suprir as necessidades do ser humano sem agredir o meio ambiente e,
consequentemente, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Portanto,
desenvolvimento sustentável é a maneira de produzir de forma a utilizar de
forma racional e consciente os recursos naturais. É o que veremos a seguir.
A produção orgânica chega à Moda
Também no ano de
2012, quase no mesmo período em que houve a denúncia contra a rede espanhola Zara, a gigante da confecção sueca H&M foi acusada de manter os
funcionários de sua produção no Camboja em péssimas condições de trabalho,
produzindo em um galpão quente e mal ventilado. Como as leis trabalhistas e tributárias em países
industrializados são muito rígidas, as grandes empresas de confecção dirigem-se
a países pobres, onde a flexibilização dessas leis permite que as empresas
possam produzir com um lucro gigantesco, sem se preocupar com salários,
condições de trabalhos, entre outras exigências. Além disso, em certos países, a
fiscalização concernente ao uso de produtos químicos na lavoura, como
fertilizantes e defensivos químicos, é bastante permissiva. A produção de
algodão, por ser muito suscetível a pragas, exige que o produtor aplique uma
quantidade excessiva de agrotóxicos, muitos deles já banidos pela legislação
vigente em alguns países industrializados, mas vendidos e usados livremente em
muitos países pobres. O que aconteceu com os trabalhadores do Camboja,
produzindo as calças jeans que são vendidas pela bagatela de vinte Euros na
Europa, foi que entraram em contato com resíduos desses produtos químicos
altamente tóxicos, presentes no tecido de algodão que manuseavam, e que
entraram em contato com a pele. Mais de cem funcionários foram intoxicados e
levados para os hospitais locais com sérios sintomas de intoxicação
respiratória e de pele.
Esse caso serve de exemplo para
mostrar que algumas empresas hoje se preocupam muito com o produto que colocam
à venda, interessando-se pelo processo de produção em todo o seu percurso,
começando pela terra em que é plantado o algodão. Trata-se do que se chama a
produção orgânica de fibras, como a do algodão, do linho. Uma empresa que faz
questão de usar somente algodão proveniente de plantações tratadas de forma
orgânica é a Reserva Natural. Outras menores têm seguido esse mesmo caminho, em
um claro respeito ao consumidor, ao produtor, ao trabalhador, ao meio ambiente.
Hoje é possível encontrar vários
produtos ligados à moda de origem orgânica, desde roupas até produtos de
higiene e beleza. Assim como os alimentos orgânicos, ainda custam bem mais
caros que os convencionais, mas à medida que o consumidor começar a
conscientizar-se e se dispor a pagar mais pela sua saúde, os produtores começam
a se entusiasmar com o crescente mercado e a tendência é a de maior oferta
desse tipo de produto e, portanto, de um preço ofertado mais acessível.
Modo de produção limpo, sem agressão
ao meio ambiente e aos recursos naturais, respeito à natureza, a quem produz e
consome. Hoje as empresas, dos mais variados setores, então se engajando nessa
maneira de produzir e para isso querem mostrar aos consumidores como produzem e
o que fazem pelo meio ambiente. Na semana passada, uma importante revista
semanal publicou o ranking das principais empresas no país, de diversos
setores, que estão engajadas em ostentar o seu selo verde.
Campinas,
novembro de 2013
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