Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Moda sustentável/Consumo consciente

Moda sustentável: é possível produzir sem agredir
Andréia Terzariol Couto
            Hoje em dia, cada vez mais, as empresas estão se posicionando de forma a deixar claro para os consumidores sua visão em relação à forma de produzir. Os consumidores, por sua vez, a cada dia se interessam mais pela forma como os produtos chegam até suas mãos. O número de consumidores interessados na cadeia produtiva das empresas está crescendo, juntamente com a consciência ecológica.
            Até a década de 1990, preocupar-se com natureza, de uma forma geral, levantar discussões ambientais em uma roda de amigos ou defender o direito dos animais era visto como algo aborrecido, chato, de gente que não tinha o que fazer. A alcunha de “eco chatos” veio na sequência. Várias foram as charges e piadas que cercavam as pessoas que defendiam os direitos a uma vida menos poluída, com mais verde, contra o desmatamento desenfreado, a exploração predatória de recursos naturais, fossem em mineração, pesca, ou alguma outra forma. Os defensores da natureza eram retratados como pessoas sem noção que se deixavam acorrentar em árvores para que elas não fossem cortadas ou que faziam qualquer tipo de loucura para criarem algum fato que ganhasse a mídia.
            O Green Peace, uma organização global não governamental de proteção ao meio ambiente e uma das de maior visibilidade e credibilidade quando o assunto é ambientalismo, sempre pautou algumas de suas atitudes em ações espetaculares ao redor do mundo, e os participantes que congregam os ideais dessa organização aceitam participar das ações enfrentando toda a sorte de perigo. A última grande ação do Green Peace ocorreu em setembro desse ano e ocasionou a prisão de 28 de seus  ativistas pelo governo russo, que acusou o grupo e a entidade de pirataria, por protestarem contra a exploração de petróleo no Ártico. Nos últimos dias, até mesmo celebridades como Paul McCartney e Madona enviaram apelos ao governo russo pela libertação dos ativistas, ao que parece, até agora, sem sucesso.
            A distância que nos separa hoje dos acontecimentos discutidos na RIO 92 fez mostrar ao público e aos governos que os eco chatos podiam até ser chatos, mas tinham razão. A olhos vistos, e a uma velocidade preocupante, a paisagem vai se transformando, assim como o clima, o ar, a qualidade das águas fluviais, a qualidade dos alimentos, o aumento da falta dele em algumas regiões, bem como de algumas pragas e do buraco da camada de ozônio. Começa-se a perceber que uma ameaça silenciosa está se aproximando. Em vinte e dois anos, pôde-se perceber que a velocidade das transformações climáticas tornou-se algo preocupante para todos, não apenas para um punhado de ambientalistas. Ou nos preocupamos agora ou nada restará às futuras gerações. Estamos hipotecando seu futuro e talvez elas não tenham como pagar essa dívida.
            A cegueira da produção sem fim, o sistema produtivo predatório, a fúria consumista estão levando à degradação do planeta a uma velocidade muito grande. Nesse sistema, consumidores alienados deixam-se levar pela propaganda hipnótica do querer cada vez mais e pressionam por novidades, que chegam ao comércio.
            E onde entra a Moda nisso tudo?

Diga-me como te vestes e eu te direi quem és
Basta um pequeno olhar pela História da Moda, ou História do Vestuário, pois até séculos recentes, tudo o que as pessoas se preocupavam em termos de novidade em “moda” era a renovação anual do vestido ou casaca de domingo.
            Historicamente falando, a preocupação do indivíduo com essa palavra dá seus primeiros passos no início do Renascimento e ainda assim, a noção de moda referia-se a alguns detalhes que demoravam anos para transformarem-se. E moda era algo com que somente as classes privilegiadas podiam preocupar-se, uma vez que as classes subalternas pouco freqüentam lugares de lazer, como teatros, óperas, salões de bailes. O lazer das classes menos abastadas restringia-se à visita semanal ao culto religioso, passeios no parque, reuniões familiares. E para isso bastavam as roupas (poucas) reservadas estritamente para essas ocasiões.
            O cenário começa a se transformar, na Europa, com a Revolução Industrial, a saída em massa de camponeses do campo em direção às fábricas nas cidades e o emprego de mulheres como força de trabalho. Das fábricas para o comércio, a mulher começa não somente a sair mais, mesmo que seja para o trabalho, mas também passa a receber um dinheiro que antes não lhe era acessível. Passa a ser assalariada, consumidora.
            Já no século XX, os períodos das duas guerras mundiais chamam novamente as mulheres a ocuparem postos de trabalho, dessa vez não para complementar a mão-de-obra masculina, mas para substituí-la, uma vez que os homens se encontravam-se em batalha ou mortos. A vestimenta feminina passa a ser mais prática, mais resistente. Após a Segunda Guerra, a mulher não volta mais para o lar, continua trabalhando e necessitando de roupas mais práticas, que possam ser usadas mais vezes sem que deformem ou amassem. A indústria têxtil vem ao seu auxílio e surgem o naylon, o rayon, a lycra. A roupa é lavada após o trabalho, pendurada em um cabide no banheiro e na manhã seguinte está pronta para o uso.
            Mas a indústria têxtil e o comércio percebem que essa praticidade poderia levar as mulheres a consumirem menos. Como levá-las a “precisar” de mais peças, desejar mais roupas? E ainda: como tornar essa roupa mais acessível à mulher trabalhadora, recém emancipada? A resposta estaria nos grandes magazines e na roupa prêt-a-porter, ou pronta para usar, um conceito disseminado nos anos 1960 que existe até hoje. Nada de costureiras personalizadas, que costuravam as roupas sob medidas. Nos magazines era possível encontrar variadas peças do vestuário prontas para usar, pois havia a padronização das medidas e cada qual escolhia o seu número sem precisar esperar pelos ajustes da costureira.
            Naturalmente que essa transformação na forma de consumir roupa tem como base a transformação da produção do vestuário. Exércitos de mulheres passam a ser recrutadas para as fábricas e, em um ritmo acelerado, como manda o modo de produção capitalista, passam a trabalhar horas a fio, em condições e salários extremamente desfavoráveis (para elas). As revistas de moda, cujo auge tem lugar em meados do século 20, são o sustentáculo dessa produção em série: repletas mensalmente de “novidades”, detalhes, desejos, ajudam a impulsionar as vendas de roupas e agora também de todo um arsenal de necessidades: os acessórios. Calçados, cintos, bolsas, bijuterias e mais o que surgir para ajudar a compor o look feminino, que agora passa a ser datado em estações. Nada é para sempre. Nada é atemporal. A moda exige mudanças periódicas, e a mulher de bom gosto deve segui-la à risca, para não ser apontada pelas outras (será que os homens perceberiam se naquela determinada estação não se estava mais usando bolinhas, e sim xadrez?) como démodé.
           
O século XXI chega: a degradação ambiental e a exploração do trabalho se aceleram, mas a conscientização aumenta
            Recentemente, mais precisamente, no ano passado, 2012, uma importante loja espanhola instalada em nosso país, foi acusada de empregar trabalho escravo em suas confecções. Pressionada pela imprensa, defendeu-se alegando que terceiriza sua produção, portanto quem havia empregado os pobres escravos era a empresa contratada. Ou, seja, uma empresa como a Zara quis dizer que não se envolve em todas as etapas do processo produtivo da sua marca.
            Mais recentemente ainda, durante as aulas do curso de Design de Moda, durante uma interessante discussão sobre o processo produtivo de certos produtos que chegam às mãos da consumidora a preços exorbitantes, mas que são na verdade produzidos por pessoas em um país distante em condições de semi escravidão, alguém argumentou: “não quero defender o trabalho escravo, mas se não trabalharem assim não vão morrer de fome?”
            O que se pode dizer desses dois exemplos é o seguinte: a Moda, a indústria da moda é uma indústria como outra qualquer, portanto, segue uma lógica de produção que está inserida dentro de um sistema que visa o lucro, em primeiro lugar, em último, as condições de trabalho das pessoas envolvidas nesse processo. Por fim, que a reflexão acerca desse processo entre muitos, inclusive de alunos de um curso de Moda, é zero.
            Não é novidade hoje para ninguém que a indústria da moda é tão predatória e nefasta como a da mineração, por exemplo, quando se trata das condições de trabalho daqueles que emprega. O mundo da moda talvez seja ainda mais perverso por produzir desejos, peças lindíssimas, fetiches para qualquer consumidora, que muitas vezes paga sem pensar milhares de dólares por um produto fruto de exploração. A mesma moda que instituiu a pele como o máximo em termos de aquisição chique - hoje, eufemisticamente, os vendedores dizem que as peles são procedentes de fazendas de criação, não mais de animais abatidos através da caça. Ufa, que bom para as focas, os leopardos, os jacarés, as raposas. Alguns de suas espécies estão sendo criados para fornecerem suas belas peles e couro, portanto, as poucas que restaram e só estão no limiar da extinção - podem respirar sossegadas.
            É também a moda que prega que precisamos de novidade. Pelo menos a cada duas temporadas no ano. Assim, o ritmo das novidades deve acelerar-se, a criatividade posta a serviço da produção. Basta pensar na oferta dos produtos chineses do vestuário. Uma camisa chinesa é vendida no varejo a R$ 5,00. Qualidade à parte, para que ela, a camisa, chegue às mãos do consumidor a esse preço, após todo o processo de produção do qual fez parte, de atravessar o oceano e ter participado de toda a logística de distribuição, podemos ter uma idéia de quanto, lá na China, a pessoa que a confeccionou recebeu.
            Esse cenário desalentador tem sua contrapartida. Enquanto empresas aceleram sua produção com o único intuito de visar o lucro, outras surgem na contramão desse pensamento.
            É aqui que entra a discussão sobre sustentabilidade, que é o conjunto de ações e atividades humanas que visa suprir as necessidades do ser humano sem agredir o meio ambiente e, consequentemente, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Portanto, desenvolvimento sustentável é a maneira de produzir de forma a utilizar de forma racional e consciente os recursos naturais.  É o que veremos a seguir.

A produção orgânica chega à Moda
Também no ano de 2012, quase no mesmo período em que houve a denúncia contra a rede espanhola Zara, a gigante da confecção sueca H&M foi acusada de manter os funcionários de sua produção no Camboja em péssimas condições de trabalho, produzindo em um galpão quente e mal ventilado.     Como as leis trabalhistas e tributárias em países industrializados são muito rígidas, as grandes empresas de confecção dirigem-se a países pobres, onde a flexibilização dessas leis permite que as empresas possam produzir com um lucro gigantesco, sem se preocupar com salários, condições de trabalhos, entre outras exigências. Além disso, em certos países, a fiscalização concernente ao uso de produtos químicos na lavoura, como fertilizantes e defensivos químicos, é bastante permissiva. A produção de algodão, por ser muito suscetível a pragas, exige que o produtor aplique uma quantidade excessiva de agrotóxicos, muitos deles já banidos pela legislação vigente em alguns países industrializados, mas vendidos e usados livremente em muitos países pobres. O que aconteceu com os trabalhadores do Camboja, produzindo as calças jeans que são vendidas pela bagatela de vinte Euros na Europa, foi que entraram em contato com resíduos desses produtos químicos altamente tóxicos, presentes no tecido de algodão que manuseavam, e que entraram em contato com a pele. Mais de cem funcionários foram intoxicados e levados para os hospitais locais com sérios sintomas de intoxicação respiratória e de pele.
            Esse caso serve de exemplo para mostrar que algumas empresas hoje se preocupam muito com o produto que colocam à venda, interessando-se pelo processo de produção em todo o seu percurso, começando pela terra em que é plantado o algodão. Trata-se do que se chama a produção orgânica de fibras, como a do algodão, do linho. Uma empresa que faz questão de usar somente algodão proveniente de plantações tratadas de forma orgânica é a Reserva Natural. Outras menores têm seguido esse mesmo caminho, em um claro respeito ao consumidor, ao produtor, ao trabalhador, ao meio ambiente.
            Hoje é possível encontrar vários produtos ligados à moda de origem orgânica, desde roupas até produtos de higiene e beleza. Assim como os alimentos orgânicos, ainda custam bem mais caros que os convencionais, mas à medida que o consumidor começar a conscientizar-se e se dispor a pagar mais pela sua saúde, os produtores começam a se entusiasmar com o crescente mercado e a tendência é a de maior oferta desse tipo de produto e, portanto, de um preço ofertado mais acessível.
            Modo de produção limpo, sem agressão ao meio ambiente e aos recursos naturais, respeito à natureza, a quem produz e consome. Hoje as empresas, dos mais variados setores, então se engajando nessa maneira de produzir e para isso querem mostrar aos consumidores como produzem e o que fazem pelo meio ambiente. Na semana passada, uma importante revista semanal publicou o ranking das principais empresas no país, de diversos setores, que estão engajadas em ostentar o seu selo verde.

Campinas, novembro de 2013


Nenhum comentário: