Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Moda Sustentável/Consumo Consciente

A moda da década de 2010


Introdução

“A moda não pertence a todas as épocas e a todas civilizações”.[1] A roupa, usada nos primórdios como proteção e posteriormente como abrigo de uma certa moralidade religiosa, somente a partir de uma determinada época começa a ser vista e analisada como objeto em si e como algo possível de ser colocada na esfera das etiquetas. Para o autor acima citado, é estudada como
“um processo excepcional, inseparável do nascimento e do desenvolvimento do mundo moderno ocidental. (...) Só a partir do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias” (p. 23).

É com base nessas palavras que o presente trabalho se estabelece: localizar no tempo e no espaço a moda preconizada na década de 2010, seu desenvolvimento, aspectos principais, tendências e referências. É usada aqui como base artística a arte contemporânea, no sentido de visualizar as referências de obras de arte desse momento histórico unido aos aspectos práticos e ideológicos que envolvem a moda ocidental nesse período.
Após a primeira década do século XXI, a moda caminha para a adequação cada vez maior às necessidades práticas da vida, refletindo, naturalmente, os sinais de uma nova realidade.
A moda torna-se mais democrática, atendendo as individualidades e necessidades de cada um. As pessoas, antes de serem fashion victims, querem entrar em novas experiências nas quais o conforto, a praticidade e principalmente as condições financeiras sejam adequadas.
Parece que nos novos tempos a máxima do “menos é mais” tornou-se mais visível: para “estar na moda”, para ser elegante, não é mais necessário gastar fortunas. Importante então é conhecer suas medidas, o que lhe vai bem, o que se adéqua melhor ao seu estilo de vida, considerando-se profissão, estilo de vida, clima, e situação econômica.
Nesses novos tempos, explodem os blogs de moda, fotografias de street mode (o blog The sartorialist é um ótimo exemplo da propagação desse estilo) surgem para mostrar o que vai ao redor do mundo quando o assunto é, mais do que moda, uma expressão individual de criatividade e humor. Assim, a democratização rompe as barreiras do que pode e do que não pode para dar lugar ao que observamos como uma adequação do que é tendência às necessidades e vontades de cada um.
A volta às raízes também teve o seu lugar. No Brasil, Carlos Mielle surge imperioso e consagrado com seus fuxicos em vestido fluidos para o red carpet.

Democracia
O paraíso do prêt-à-porter surge com as lojas de departamento. O que se observa hoje é uma convivência harmônica entre esse estilo com o das grandes marcas. As compras pela internet, que surgem nesses tempos, ajudaram a espalhar a tendência e facilitar o acesso. Compra-se desde second hand, prêt-à-porter de grandes departamentos como H&M, Zara, Galleries Laffayette, até de grifes famosas. Agora, os brechós on line ganham seu espaço. Para os que podem, é possível clicar no site da Louis Vuitton e desligar com a sua bolsinha, a partir de U$ 1500. Também reflexo dos tempos, da arte, da arquitetura, da decoração e do design, misturar é a ordem. O estilo hi-lo é disseminado e usado pelos quatro cantos do mundo. Uma camisa de seda, um jeans destroyed, um scarpin e uma bolsa Channel. Coco iria adorar viver nesses tempos.
A ditadura da moda chega ao fim. Mais do que “estar na moda”, privilegia-se a adequação à tendência. Mistura-se cores, formas, e adota-se aquilo que mais convém. Pensa-se na moda como uma expressão individual, da personalidade. As pessoas carregam o seu estilo, a sua marca.
O corpo fala. Através do cabelo, das roupas, dos assessórios. O corpo fala através da pele. Nunca se viu tantas tatuagens como na última década. Saída de vez da marginalidade, ganha os corpos, a princípio timidamente, para depois exibir-se pelo corpo afora.
Se tivéssemos que dizer qual a moda da década de 2010? Aquela que lhe vai bem, é confortável, é a expressão da sua personalidade e cabe no seu bolso:

“A moda contemporânea exprime, por um lado uma certa atitude gregária e a rejeição por pertencer a uma categoria determinada. (...)
Os costureiros, tais como Paul Poiret no começo do século XX evocava, seguido por  Madeleine Vionnet, Cristobal Balenciaga, Christian Dior, Yves Saint Laurent, Hubert de Givenchy, Pierre Cardin e Coco Chanel ou André Courrèges, Nina Ricci e mais recentemente Thierry Mugler, Christian Lacroix, ou Antoine Chaulieu tornaram-se personagens públicos. Eles se tornaram criadores de tendências para os grandes nomes da distribuição internacional. Seu papel tornou-se assim mais próximo do público consumidor comum. Paradoxalmente, sua enorme notoriedade os classifica entre as celebridades, pessoas ou estrelas da mídia, tais como revistas, TV ou cinema”.[2]

Vemos de tudo: roupas, cabelos, acessórios, maquiagem e produtos de beleza em profusão, em prol da diversidade; do pós-moderno com o retrô; dos cabelos alisados pelas escovas progressivas e chapinhas à valorização do look natural do estilo afro; cortes criativos, cores, mechas, alongamentos, reflexos, luzes; mulheres assumindo seus cabelos brancos em cortes impecáveis. Unhas coloridas de diversas maneiras, texturas, adesivos e formas. Para quem ama os sapatos, tudo é possível, portanto, nada de se desfazer do seu favorito por estar “fora de moda”. Você gosta? Então use!

Tendências
Moda Étnica
Nesse período começa a surgir como mais força a moda étnica. Também sinal dos tempos, essa moda começa a se propagar e ser mais aceita em um período de maior mobilidade da população. Viajando mais, as pessoas começam a observar que há algo mais do que o jeans e a camiseta e suas roupas conservadoras e tradicionais. Com a popularização dos pacotes turísticos levando cada vez mais pessoas a lugares antes não muito visitados - as chamadas regiões exóticas - as vestimentas desses lugares passaram a ser mencionadas não só conceitualmente em desfiles mas foram também parar nas ruas. Em um país tropical como o nosso, como não aceitar os vestidos amplos de puro algodão, com estampas coloridas e geométricas? Tom Ford fez um desfile deslumbrante em 2010 cujo foco eram os bubus africanos executados em seda que flutuavam na passarela. Luxo total.
A roupa étnica lembra o conforto do algodão, a robustez do linho, a maciez da seda; atrai pelas estampas e padrões tão característicos de povos que, desde tempos imemoriais, trabalham o pano de forma artesanal, criando lindos tecidos, coloridos, geométricos, florais, animais, tornando de uma maneira simples e elegante as mulheres que muitas vezes só têm um pano colorido para enrolar no corpo e na cabeça.
Também as estamparias animais, principalmente onça, leopardo, zebras, okapis, remetem a um universo de liberdade, de força e ao mesmo tempo, mistério. O leopardo tem uma longa história na tradição africana de magia que ultrapassa a lógica ocidental.
Até o início dos anos 2000, usar oncinha, no nosso país, era coisa de perua. Ninguém tinha, ninguém usava por medo de ser apontada como brega. Mas as onças atravessaram o oceano e, não da África para cá, mas diretamente da Europa (onde a onça impera soberana há décadas, em faixas etárias variadas e numa multiplicidade de roupas e acessórios), desembarcaram aqui e permanecem firme já há algum tempo. Esperemos que seja para sempre!
E para completar, os adereços em madeira, metal e pedras naturais formam um conjunto com as roupas étnicas que dificilmente imagino outro tão harmônico e gostoso de usar como eles.

Moda ética
Por que consumo ético? Creio que um setor que tem alcance tão grande e em todas as camadas sociais como a moda é um espaço ideal para a reflexão sobre o nosso posicionamento diante da sociedade de consumo.
Parece que foi ontem que os primeiros ativistas começaram uma campanha empertigada contra o uso de peles de animais na moda. Essa atitude polarizou a discussão e muitos não aceitavam o fato de terem que abdicar do seu vison em prol dos pobres ursos polares, raposas e outros animaizinhos peludos.
Uma das divas mais famosas de todos os tempos, Brigite Bardot - inacreditavelmente transformada hoje em uma porta voz da direita francesa - foi pioneira na defesa dos animais abatidos para terem seu pelos fofos aproveitados pela indústria de casaco de peles. Sua campanha pelos bebês focas ganhou a mídia e muito se deve a ela as incipientes tentativas de barrar esse mercado. Para aqueles que não aceitam os argumentos dos defensores dos animais, que tal ter seu poodle escalpelado para fazer um bolerinho meia estação?

Moda sustentável
Nessa década surge com mais força uma tendência que começa a despontar timidamente na década dos anos 1990, que é o assunto da sustentabilidade. Iniciada com maior visibilidade a partir da Rio 92 como uma discussão restrita a aspectos mais visíveis do meio ambiente, como poluição, buraco na camada de ozônio, aquecimento global, desmatamento, diminuição dos recursos hídricos, a sustentabilidade passa a alcançar, nos anos 2010 o assunto envolto à moda. Moda, agora, pode ser sustentável. É possível ser chique e ecologicamente correto sem ter o estigma de eco chato ou hippie. Cada vez mais pessoas formadoras de opinião, como aquelas ligadas ao mundo da moda (como Gisele Bündchen), atrizes, escritores etc., passaram a defender que moda, longe de ser um assunto ligado às frugalidades da vida, é assunto sério e pode sim, ser sustentável. No bojo dessa discussão, surgem os tecidos orgânicos, cujas fibras naturais são cultivadas sem a utilização de agrotóxicos.
Além disso, tornou-se claro, em tempos de crise, que a moda representava importante filão econômico, pelo volume enorme que faz girar de dinheiro na economia. São empregos diretos e indiretos, pesquisas de materiais, equipamentos. Uma extensa lista de profissões e especializações que faz mover importante setor da economia. Mesmo em tempos de crise, as alternativas apresentadas pelo mundo da moda para que todos continuem seguindo com seu estilo, continuam firmes. As pesquisas de novos materiais ganham reforço, tecidos de fibras naturais ganham cada vez mais adeptos e o vilão plástico, presente em garrafas pet, acaba se transformando em um dos componentes dos jeans.
A sustentabilidade dita os rumos dos novos tempos: reciclagem, reaproveitamento, pesquisas de novos materiais e soluções ecologicamente corretas, a moda da rua, as visitas aos brechós. Estes últimos, aliás, uma tendência relativamente recente em nossa sociedade, que tinha preconceito sobre roupas usadas. Enquanto na Europa a população tinha o hábito de comprar roupa usada - um costume que relembra os tempos difíceis da guerra e do pós-guerra, acabou fixando-se como uma alternativa às compras e também para aqueles que, por ideologia, recusavam-se a entrar no jogo do sistema consumista. Os brechós europeus foram transformando-se assim, de espaços de velharias para um lugar onde poderia se encontrar roupas e assessórios descolados, peças diferencias e “com história”. Passou-se a associar a isso a importância de peças antigas de família, da tia ou da avó (antes restrita a alguma jóia) e a recuperação e uso de roupas antigas passa a ser um hábito, até uma diversão. Entrar em um brechó temático, vasculhar, garimpar uma peça descolada a um preço inacreditável, nada melhor. Em muitas cidades européias, o passeio de sábado de manhã inclui o mercada das pulgas e brechós. Em cidades como Paris, lojas em excelentes localizações abrigam peças incríveis e preços acessíveis de várias marcas famosas, mas vendidas sem etiquetas. São as chamadas lojas degriffées. Um tesouro.
Por aqui, o brechó está “saindo do armário”. Ainda encontra resistência, preconceito e outras coisas mais. Há pessoas que não compram nada de segunda mão, pois acreditam em “energias negativas”; outras têm vergonha de comprar roupa usada (alguns compram, mas não admitem isso diante de ninguém. Dizem “ah, era da minha avó!”). O fato é que os brechós por aqui têm proliferado e mesmo em uma cidade conservadora como a nossa, já existem em certa quantidade e são muito variados. Em alguns, com sorte e paciência, podem ser encontradas peças Channel, Thierry Mugler, Dior, etc., em ótimo estado.
Em termos de tendências, podem ser percebidas as releituras de décadas passadas, tendências que muitas vezes se misturam a algo diferente. Assistimos a volta dos anos 1960, dos 1970 e agora percebemos algumas tendências dos 80 em alguns detalhes cortes e cores. A inovação fica por conta de novos tecidos, novos materiais e o emprego inusitado de alguns materiais em assessórios e sua mistura.

A arte como inspiração para a moda
Sabemos que a arte é inspiradora da moda desde tempos muito antigos. Nos dias atuais, criadores de moda são também grandes conhecedores do mundo da arte, pois ela, assim como a própria natureza, inspira-os a criar a cada ano belíssimas coleções, que incluem, além da roupa propriamente dita, todo o conjunto de acessórios que a compõe (jóias, bolsas, cintos, calçados, chapéus, cabelo, maquiagem).
Ao criar, o estilista tem a visão do conjunto, pois idealiza a sua obra dentro de um contexto, como se criasse um personagem dentro de uma história. Por isso, tem que haver um entrosamento entre a roupa, os acessórios, o cabelo, a maquiagem, o ambiente. É como se fosse uma pintura de um quadro, ou uma peça de teatro, ou uma cena de um filme. Todo o conjunto deve estar de acordo, os elementos da produção devem “conversar” entre si.
            Assumindo os ares dos novos tempos, a moda reflete a arte. Contemporânea, ela preconiza a interatividade, o abstrato, o interior, a expressão individual, a incerteza sobre o futuro. Parecemos falando do abstracionismo do século 20? Quase. Este, quando surgiu, teve dificuldade em ser aceito, compreendido. Mas o que se buscava naquela época era a liberdade de expressão, de sentimento, o “ponto de fuga” do artista, a extrapolação para o público do seu mundo exterior. Trazendo para hoje essas referências, podemos imaginar uma moda assim, abstrata, fluida, dinâmica e inquieta. E nessa movimentação, tribos diferentes passeiam entre si, convivem no mesmo espaço, cedendo um para o outro tendências e referências.

Referências
Lipovetsky, Gilles. O império do efêmero. SP: Companhia das Letras, 2008.
http://histoiredelamode.canalblog.com/archives/2010/05/17/17924747.html
http://www.mundodastribos.com/roupas-da-moda-2010.html/

www.thesartorialist.com





[1] Gilles Lipovetsky. O império do efêmero. SP: Companhia das Letras, 2008, p. 23.

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