Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Moda sustentável/Moda e Consumo

De onde vem o que você está usando hoje?
O que moda tem a ver com consumo consciente? Primeiramente, em relação aos recursos naturais que utiliza, durante a produção de um artefato. Sabe-se que, dependendo do produto, a quantidade de água utilizada para a sua confecção é enorme, sem contar a poluição por elementos tóxicos para o tingimento.
Recentemente, grandes cadeias de roupa que ultrapassam suas fronteiras nacionais foram autuadas por dois motivos: uma, no Brasil, por empregar trabalho escravo de estrangeiros; outra por ter seus trabalhadores no Camboja passado por problemas graves de saúde. Segundo consta, os defensivos agrícolas utilizados nas plantações que fornecem as fibras para a confecção das peças eram altamente tóxicos. Mais de uma centena de trabalhadores foram intoxicados e chegaram a desmaiar.
Não é segredo para ninguém que grandes empresas transnacionais norte-americanas e européias transferem sua mão-de-obra para países periféricos, a fim de se livrarem de altas cargas tributárias, pesados impostos e pagamento de direitos trabalhistas. Nike, Adidas, só para ficar nas firmas calçadistas, cujos tênis são estrelas dos grandes dos esportes e cujas empresas investem milhões de dólares em publicidade, empregam mão-de-obra infantil na China, em condições de semi-escravidão. Orientais clandestinos se amontoam em pardieiros na Espanha para produzir roupas para empresas de confecção famosas; o mesmo acontece com o bolivianos em São Paulo; em Honduras, costureiras trabalham dia e noite em galpões asfixiantes, vigiados por homens armados. O produto de seu trabalho escravo segue para grandes magazines dos Estados Unidos, onde são vendidos por centenas de dólares. Os exemplos se multiplicam.
Fica a pergunta: as pessoas se incomodam com quem está produzindo a roupa ou o sapato que estão usando? O importante é mostrar a logomarca referência do momento e serem notadas como consumidoras que têm dinheiro para pagar por ela. Não importa sua procedência, mas o status que ganham expondo a sua marca.
E não é somente com a procedência do produto, em relação à mão-de-obra que o produz, que envolve o consumo consciente. Refere-se também à procedência do material empregado na sua confecção (tipo de fibra, se é totalmente natural ou não; se são usados agrotóxicos nas plantações que produzem as fibras; se o resultado final advém de pesquisas que produzem sofrimento nos animais ou se são materiais retirados de animais, como peles; quantidade de recursos naturais gastos na produção, como água, por exemplo).
A loucura por ostentar uma marca faz com que muitos o façam mesmo sabendo que sua procedência não é original. Muitos exibem logos famosos e espalhafatosos no intuito de serem olhados, admirados e invejados por exporem uma bolsa ou óculos de uma grife famosa, mesmo correndo o risco do ridículo de que as cópias são claramente percebidas como cópias.
A popularização (sim, popularização, pois hoje em dia, qualquer pessoa de classe menos privilegiada que queira se endividar e passar meses a pão e água pode passear com sua bolsinha de grife de três mil dólares - a mais em conta) das grandes grifes é resultado da segunda metade do século 20. E isso tem explicação. É por esse período que a indústria cultural começou a assolar a sociedade ocidental consumista e o consumo passou a ser a razão de existir dessa sociedade. Consumo e ostentação andam lado a lado. E quem não pode fazer isso com o verdadeiro, pode tentar com o falso. E a indústria pirata passa a trabalhar sem descanso para suprir esse lado da espetacularização dos menos abastados.
Possuir peças de grifes famosas passou a ser não mais somente uma busca pela qualidade dos artigos de luxo, mas uma tentativa de se distinguir da multidão, portando algo que o destaca frente aos outros mortais (passear com uma bolsinha de grife é sinal de status, admiração, destaque - e inveja, é o que dizem). Mas como ser diferenciado? Para isso é preciso que as pessoas que não alcançam esse Éden pelo menos saibam que ele existe e quanto custa. Entra aí com seu poder de alcance inabalável a mídia, que mostra, divulga e conta a importância - e o preço - dessas mercadorias. Assim, celebridades do momento podem desfilar com seus objetos de desejo e se distanciarem da massa. Revistas femininas mostram mimos de marca para a classe “AAA” e seus respectivos valores, escancarando assim à maioria que vive em um país pobre como o nosso a impossibilidade total de aceder ao Olimpo das grifes.
Logo que Kate Middleton entrou para a realize, vi, em um blog de moda, uma sequência de fotos de Pipa Middleton, a cunhada real, transformando-se na nova queridinha dos fashionistas daquela ocasião. As imagens mostravam uma Pipa descontraída andando pelas ruas de Londres, indo ou voltando para o trabalho. Estava simples e bonita, como essas moças estilosas com as quais nos deparamos nas ruas de vez em quando. Uma observação da blogueira: “Percebemos que Pipa não possui um vasto guarda-roupa, pois repete, em algumas imagens, a mesma jaqueta”. Como assim? Algum problema? A cunhada do príncipe não pode repetir sua jaqueta de couro pelas ruas? Triste observação.
Fechando: não estou falando aqui de gente que pode rasgar dinheiro e por isso mesmo sai por aí rasgando; tampouco falo de pessoas que afirmam que não repetem jamais uma peça. Hum? O que isso que dizer? Que provavelmente não têm uma peça favorita no armário, que não herdaram uma peça incrível do guarda-roupa da avó ou da mãe. Glorinha Kalil pra elas, pois a noção de “ser chic” vai mais além de ostentar e consumir sem consciência.


Moda sustentável/Consumo consciente

Desperdício
            Por onde começar a reflexão sobre moda sustentável? Por que não a partir do desperdício? Em um país acostumado ao desperdício como o nosso, levar a reflexão sobre o consumo responsável nem sempre é tarefa fácil.
            Somada à questão cultural de que aqui é terra da abundância - “em se plantando tudo dá”; de que aqui é uma terra privilegiada - “não somos assolados por guerras, terremotos, vulcões”; que “temos espaço, terra e água de sobra, além de sol o ano inteiro”, a ideia de que a abundância não precisa ser equilibrada com uso parcimonioso das coisas, como recursos naturais, por exemplo, é pensamento corriqueiro.
            Uma visão clara da nossa ideia da abundância são os restaurantes self service, onde não raro podemos ver pessoas passando com pratos montanhosos, cujos alimentos muitas vezes sobram ao final das refeições.
            O que muita gente não sabe - ou pelo menos tenta não perceber - é que cerca de 15 milhões de pessoas estão na linha da miséria no nosso país, o que significa que não têm o que comer.
            Outro exemplo: o desperdício de água. Nas minhas caminhadas diárias ao redor das praças do meu bairro, o que mais vejo de manhã são pessoas “varrendo” as calçadas com mangueiras de água, empurrando pacientemente uma folhinha rua abaixo até que ela entre cuidadosamente no bueiro da esquina. Bom, temos abundância de água, muitos recursos hídricos, o aquífero Guarani, maior reserva de água doce do mundo, é o que dizem.
            E daí? Chegamos à questão. Ter muito dá o direito de desperdiçar? Quando falamos de consumo consciente, várias coisas entram em questão. O desperdício de recursos naturais é uma delas.
            Podemos dizer que alguém tem muito de algo, por isso esbanja. Esse é o princípio. No entanto, tem gente que tem muito de alguma coisa, mas por motivo de consciência com o mundo em que vive, não desperdiça.
            Voltando à questão da água, se você sabe que a água é um recurso natural, um bem natural, e que em muitos lugares do planeta grande parte da população não dispõe de água potável, é no mínimo constrangedor desperdiçar esse recurso. Questão de consciência.

            Até os meus vinte e poucos anos não havia pensado sobre isso. Mesmo porque onde vivia não havia essa discussão de uma maneira generalizada. A noção de desperdício vinha de casa, da família, que ensinava que não se devia desperdiçar comida, ou seja, deve-se servir somente daquilo que vai comer. Para convencer as crianças, havia uma nota, um quê de menções religiosas amedrontadoras, do tipo “é pecado deixar comida no prato”, fosse lá o que isso significasse e, para os mais novinhos, “se não comer o bicho papão vai te pegar”. Ai, aí sim, o prato era raspado.
            Fora isso, a lembrança não me alcança discussões mais sérias a respeito. Reaproveitar, restaurar, reutilizar, reciclar, são termos que vim a compreender mais tarde, em sua completa dimensão. E não em nosso pobre país, carente de todas essas atitudes, mas em um país rico.
            Quando morei na Alemanha, comecei logo no início a perceber que as pessoas tinham uma outra dimensão em relação ao meio em que viviam. Claro, imagino que chegaram a esse grau de conscientização a duras penas: duas grandes guerras, muita fome e muita necessidade. Mas usaram essas épocas devastadoras a seu favor e hoje é uma das sociedades mais ecologicamente conscientes do planeta.
            As pessoas levavam suas sacolas de pano ao supermercado, cujas compras eram feitas sempre aos poucos, aquilo que cabia em suas duas ou três sacolas e que muitas vezes podiam ser acomodadas nas cestas das bicicletas (nada parecido com o que eu vivia aqui, com as idas ao supermercado mensais, e a cada compra os carrinhos vinham abarrotados de coisas, como se eu estivesse estocando para uma guerra iminente). Os saquinhos de plástico dos supermercados existiam, mas custavam 0,3 centavos de marcos (moeda alemão antes do euro) mas, para além da questão do preço, as pessoas preferiam levar as de pano, muitas vezes com mensagens ecológicas estampadas. Ainda conservo 4 dessas sacolas trazidas de lá.
            Além disso, os bairros possuíam as estações de coleta seletiva e os habitantes levavam periodicamente garrafas, papéis e vidros para lá. O lixo orgânico, que era coletado pelo município, era exclusivamente orgânico, e tinha também o seu destino em estações de tratamento e compostagem.
            Talvez por não contarem com muitas fontes naturais de água potável, os alemães, percebi desde o início, tinham um respeito muito grande com a água que utilizavam. Escovar os dentes com a torneira aberta, por exemplo, era algo impensado.
            Foi por essa época que comecei a pensar em como fazemos certas coisas sem pensar. Ações simples, cotidianas, individuais, levam à conscientização de atitudes que, para além do futuro, ganham dimensões incríveis.
            Vivemos em uma sociedade consumista, e não podemos fugir dela, mas podemos minimizar seus efeitos devastadores. O apelo consumista é direto, firme, intenso e nos assola, principalmente a nós, mulheres, assim que ligamos a TV, assistimos a um filme, folheamos uma revista, botamos os pés para fora de casa. Tudo brilha ao nosso redor e nos convida a experimentar. Muitas não resistem. Muitas se endividam. Muitas consomem sem pensar e, tardiamente, se arrependem.
            Quando voltei, o choque inevitável: por que aqui não podemos fazer o mesmo? Por que desperdiçamos tudo, misturamos tudo, não temos reciclagem, não damos o passo simples e correto? Precisei esperar muito para ver as primeiras manifestações de coleta seletiva de lixo e ainda assim, nem todas as pessoas do meu bairro separavam o que deveria ir para a reciclagem. E olha que morava no reduto intelectual da cidade, o bairro que abriga a nossa universidade, a Unicamp.
            Passados anos, parece que a discussão finalmente chegou aqui, a passo de escargot. A coleta seletiva existe em alguns bairros, mas ainda não funciona em sua plenitude. Depois de meses de seca, campanhas na TV pedem para a população não “varrer” a calçada com água, não lavar carros, pensar em maneiras de economizar água. Depois de algumas iniciativas frustradas, os saquinhos plásticos voltaram com tudo no supermercado e observo tristemente as pessoas embalando quase que cada item de suas compras em um saquinho separado - às vezes fico vendo isso e pensando que, se pudessem, embalariam cada banana da penca separadamente. É uma fúria avassaladora pelos saquinhos plásticos. “Atenção, é grátis, vamos pegar o máximo que pudermos!!!”.
            O importante é não desistirmos. Se cada um fizer sua parte, quem sabe um dia chegaremos “lá”.


Tecidos

Algodão
            Você já pensou sobre a origem dos tecidos? Pelo menos daqueles considerados naturais, provenientes de fibras cultivadas, como o algodão, o linho, a seda, a lã? Sabe qual a história dessas fibras e como começaram a ser utilizados para a confecção de roupas?
            Para nós, dos trópicos, o algodão é de longe a fibra mais popular e talvez a mais querida. Afinal, é natural, é macia, confortável, bonita, fácil de manusear, seja para a confecção, seja para os cuidados diários. É resistente e democrática, vai bem em qualquer lugar, para sair ou para dormir. Será que sempre foi assim? Será que antes, muito antes, todos usavam o algodão da mesma maneira? Certamente não. Essa fibra, considerada no período colonial pouco nobre, cobria os corpos dos serviçais e da gente simples. As pessoas de posses importavam sedas, veludos e outros tecidos considerados nobres.
            Alguém já viu uma plantação de algodão, na época da colheita? É um cenário belíssimo, com as flores estourando em grandes punhados de fibra branca, contrastando com o verde das folhas e o céu azul, pois normalmente o céu está sempre azul na época da sua colheita, caso contrário, se fosse na época das chuvas, a perda seria imensa.
            Durante séculos, seu cultivo, pelo menos no nosso país, foi manual. Sazonalmente, milhares de trabalhadores rurais, entre eles mulheres e crianças, dirigiam-se aos campos para a colheita. A preferência por mulheres e crianças deve-se ao fato de terem as mãos mais delicadas e por isso, conseguirem arrancar os cachos sem danificar a fibra. Vale lembrar que, embora a fibra seja macia, as folhas são ásperas e machucam muito as mãos de quem colhe, geralmente não utilizando nenhum tipo de proteção.
            O plantio de algodão no Brasil, via de regra, sempre foi feito pela agricultura familiar, ou seja, pequenos proprietários que plantavam com a ajuda da família. Na época da colheita, ou contavam com a ajuda dos mutirões - revezavam-se os vizinhos de plantações para ajudar ou então se contratava algumas pessoas para ajudar.
            Com o passar do tempo, com a industrialização e a crescente demanda pela fibra foi fazendo com que sua plantação deixasse aos poucos de ser de responsabilidade da agricultura familiar para ser explorada por grandes proprietários. Nessas ocasiões contratavam mão-de-obra local ou regional e o pagamento pela colheita era feito pelo peso da saca, normalmente um preço muito baixo. Como o algodão é muito leve, os colhedores tinham que trabalhar arduamente para preencher o maior número de sacas possível por dia para que o peso final compensasse alguma coisa.
            Em algumas grandes propriedades, a colheita é feita através de grandes máquinas, que de uma vez só realizam o trabalho de muitas pessoas. Conseqüência? Desemprego no campo.
            Antigamente, as fibras, quando cultivadas nas pequenas propriedades para consumo próprio, eram tecidas pelas mulheres da casa em grandes rocas. Feitos os fios, eram então trabalhados e tecidos em máquinas rudimentares de tear e aí, então transformadas de acordo com a necessidade: roupas, cobertas, mantas, toalhas, tapetes.
Hoje, a utilização do algodão ultrapassou as fronteiras populares e ter algo 100% algodão é motivo de felicidade, pois costuma-se misturar material sintético a essa fibra.
Outra questão que envolve o algodão é o seu cultivo. Como existe no Brasil uma praga que o ataca e que impede que suas flores desabrochem, as plantações são constantemente pulverizadas com agrotóxicos. Além de fazerem mal às pessoas que têm contato com ele durante a aplicação e a colheita, uma vez processado, seu resíduo cai na corrente pluvial ou no solo, contaminando tudo. Fora isso, resíduos sempre acabam ficando nas fibras e, consequentemente, no produto final. É justamente esse tipo de resíduo que tem feito o sofrimento de muitos trabalhadores dos países pobres, pois ao manipularem as fibras para a confecção das roupas, respiram o produto e também têm contato com ele através da pele. Em muitos países onde se instalam fábricas de roupas multinacionais, os governos locais não têm regulamentação sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos e seu uso é liberado. O que muito consumidor de países ricos não sabe é que, ao adquirir um produto feito na China ou feito no Camboja, por exemplo, sua roupa pode ainda ter resíduos daqueles produtos. Embora proibidos nos países ricos, muitos agrotóxicos vindo dos países onde as roupas são confeccionadas acabam contaminando seus rios, pois, uma vez lavadas essas roupas, os resíduos caem na corrente pluvial e se espalham. Há alguns trabalhos científicos sobre isso.
            Hoje é possível encontrar fibras naturais, como o algodão, cultivadas de acordo com os princípios da agroecologia, nos quais o uso de defensivos agrícolas químicos está banido. Mas seu custo ainda é muito alto para o consumidor.

            Da próxima vez que vestir sua camiseta confortável, para praticar esporte, passear ou dormir, pense nisso: qual foi o caminho percorrido por essa fibra até chegar à sua minha gaveta?
Moda Étnica - Consumo Ético

            Por quê moda étnica? Porque é divertido jogar com a profusão de tramas, cores, estampas de lugares distantes e diferentes do nosso. Porque a roupa étnica lembra o conforto do algodão, a robustez do linho, a maciez da seda; a atração das estampas e padrões tão característicos de povos que, desde tempos imemoriais, trabalham o pano de forma artesanal, criando lindos tecidos, coloridos, geométricos, florais, animais, tornando de uma maneira simples e elegante as mulheres que muitas vezes só têm um pano colorido para enrolar no corpo e na cabeça.
            São muitas as etnias que me atraem em termos de composição de cores e estampas dos tecidos. Mas as  que mais gosto são as que remetem aos povos africanos, sejam eles do norte, centro ou sul.
            São as padronagens dos bubus da África Central, de algodão firme e com cores fortes e marcantes, que cobrem as belas e longilíneas mulheres daquela região que me fazem pensar sempre em conforto e beleza. O bubu representa o máximo de conforto para as mulheres quando confeccionado da forma simples de um retângulo; a elegância quando salienta as curvas e os dotes naturais das africanas, com recortes, babados e mangas bufantes; o aconchego da vida íntima quando ele é simplesmente enrolado ao redor do corpo. O despojamento das kamisolis do Mali, os caftans do Magreb.
            Também as estamparias animais, principalmente onça, leopardo, zebras, okapis, remetem a um universo de liberdade, de força e ao mesmo tempo, mistério. O leopardo tem uma longa história na tradição africana de magia que ultrapassa a lógica ocidental.
E para completar, os adereços em madeira, metal e pedras formam um conjunto com as roupas que dificilmente imagino tão harmônico e gostoso de usar como eles.
            Por quê consumo ético? Creio que um setor que tem alcance tão grande e em todas as camadas sociais como a moda é um espaço ideal para a reflexão sobre o nosso posicionamento diante da sociedade de consumo.
            Parece que foi ontem que os primeiros ativistas começaram uma campanha empertigada contra o uso de peles de animais na moda. Essa atitude polarizou a discussão e muitos não aceitavam o fato de terem que abdicar do seu vison em prol dos pobres ursos polares.
            Uma das divas mais famosas de todos os tempos, Brigite Bardot - inacreditavelmente transformada hoje em uma porta voz da direita francesa - foi pioneira na defesa dos animais abatidos para terem seu pelos fofos aproveitados pela indústria de casaco de peles. Sua campanha pelos bebês focas ganhou a mídia e muito se deve ela as incipientes tentativas de barrar esse mercado. Para aqueles que se não aceitam os argumentos dos defensores dos animais, que tal ter seu poodle escalpelado para fazer um bolerinho meia estação?
            Aqui você não encontrará: referências a cirurgias plásticas, implantações de silicones, aplicações de botox ou transformações radicais do corpo via bisturi. Nada contra quem se utiliza desses recursos, somente pelo fato de que esse não é o espaço que privilegia esses procedimentos.
            O foco da beleza vai sobre uma dieta sadia, colorida, balanceada, que agrega legumes frutas, cereais, verduras e carnes magras, ressaltando as valiosas contribuições da alimentação orgânica. Infelizmente ainda inacessível para a maior parte da população, seu uso, aliado a uma vida esportiva, traz benefícios inestimáveis à saúde. Portanto, assuntos como dança, nas suas mais diversas manifestações, esportes, a prática da yoga e relaxamento, acupuntura, medicina chinesa entram como grandes aliados para termos uma vida mais saudável e bela.
            A beleza procura ser vista através de uma tendência sobre uma mente que se ocupa, que reflete, que pensa. Não dá para falar em beleza em pessoas fúteis que não se comprometem com as grandes questões de sua época.

Uma interpretação dos bubus africanos
Durante o curso de Design de Moda, tivemos que apresentar uma roupa a partir de um tecido específico, o jeans. Minha ideia era criar algo que remetesse o conforto dos caftans - os bubus da África Central - aliada à estamparia de animal, tendência dos anos 2010, com uma pitada de brasilidade, expressa na renda de algodão cru. O tecido utilizado foi o jeans, tecido tema do trabalho, na cor cáqui. Ele foi estampado com motivos de pele de onça com tinta acrilex, aplicada através de um molde. Esse tom, por sua vez, faz referência a Yves Saint Laurent, que tinha grande atração pela África do Norte, a ponto de comprar uma propriedade em Marrakech, em 1980, chamada Jardin Majorelle, que transforma em moradia e ateliê, após empreender a restauração do lugar. Foi o estilista responsável, na década de 1970, pela introdução da roupa safári, um clássico até hoje, inspirado pela aventura a liberdade das savanas africanas. Os tons desse estilo são os terrosos, nude, marfim, laranja; o corte é reto, estruturado, lembrando a alfaiataria. São roupas utilitárias que inspiram conforto.
            Concluindo, a idéia é a de aproximação de povos que, se geograficamente estão distantes, no mundo globalizado acabam tornando-se próximos, mesmo porque não podemos nos esquecer que uma das vertentes da nossa cultura vem do outro lado do Oceano Atlântico: a África.



















Moda sustentável/Consumo consciente
Fashion Revolution Day
            O evento We are Fashion Revolution  que aconteceu em Campinas dia 24 de abril foi um sucesso.  O local escolhido para abrigar o acontecimento foi o auditório da Livraria da Vila, no Shopping Galeria, e diante de um auditório lotado, as palestras foram focadas sobre as questões sociais e sustentáveis que envolvem os negócios de moda e como as pessoas envolvidas hoje nesse universo não podem eximir-se de pensar sobre a cadeia produtiva envolvida nesse segmento, bem como os impactos dos processos produtivos na confecção de peças do vestuário. Pensar e refletir sobre a origem das roupas que usamos, sobre as pessoas que participaram de sua confecção aqui e além mar, sobre a exploração econômica do fashion business é hoje uma questão de honra para aqueles que vêm a moda para além do consumo de marcas.
            Patrícia SantAnna, da Tendere, organizadora do evento, deu início ao ciclo de palestras, falando sobre a ideia de reflexão sobre o nosso próprio consumo, de conhecer todo o caminho  do processo produtivo que envolve a confecção do vestuário. Nem sempre esse é um caminho fácil, mas ele é necessário. O consumidor deve também pensar na sua forma de consumir, comprando aquilo que lhe é necessário e pensar antes de comprar, se realmente vai usar: exercer o seu poder de escolha. Outro assunto abordado por Patrícia foi a reutilização de roupas, tanto a compra em brechós como a transformação/reforma de peças usadas.
            A relação afetiva com nossas roupas também foi abordada por ela: Por que resistimos a nos desfazer de peças de roupas que não usamos mais? Por que guardamos algumas peças e não outras? Qual o significado de certas peças? Ao pensarmos sobre isso, chegamos à própria história do que usamos, além da possibilidade da reconstrução da memória através da história de peças uma vez que o guarda-roupa é um repertório de histórias da vida.
            Assim, ainda de acordo com a palestrante, a moda consciente aborda diversas questões:
- Você conhece a cadeia de suprimentos de moda?
- Os processos de criação, produção e distribuição da moda?
- O ciclo de vida de uma peça?
             A produção de roupa envolve desde a produção da matéria-prima - algodão, seda, linho, por exemplo, ao design, confecção da peça piloto (pensando no corte e nas formas possíveis de se evitar o desperdício nesse momento), seleção, produção, distribuição, venda (atacado e varejo), uso e descarte. Em todas essas situações, os impactos sociais e ambientais são inevitáveis.
            Portanto, saber sobre esse processo é importante para refletirmos nosso papel enquanto consumidores e um dos papeis do Fashion Revolution Day é pensar sobre o lugar confortável do consumidor enquanto ignorante dos acontecimentos e impactos desse caminhar. É preciso retirar o consumidor da postura confortável de ignorância na qual se encontra sobre as mazelas que ocorrem durante o processo produtivo de roupas principalmente em países pobres da Ásia que acabam acarretando tragédias como a do Raza Plaza.
            Por fim, Patrícia SantAnna abordou a necessidade, para quem faz moda, de avaliar o ciclo de vida de suas criações e melhorar/diminuir os impactos. Para isso, elencou alguns aspectos do design sustentável:
- Design pela empatia;
- Baixo impacto de materiais e processos;
- Desperdício zero;
- Durabilidade do produto;
- Produção ética/comércio justo;
- Redução do transporte;
- Reuso;
- Multifunção;
- Reciclagem e reforma;
- Produção sob demanda;
- Produção de ciclo fechado
            O segundo palestrante do evento foi    Marcos Vaz, falando sobre Inovação e sustentabilidade (Sustentabilidade e Moda) e trazendo para a discussão o conceito de externalidade - a situação em que o custo de alguma ação é transferido para outros, ou seja, aquele ou o que gera a externalidade não é o que paga por ela. Assim, quem paga pelas externalidades são as minorias, os mais vulneráveis.   
            Falaram ainda Fernanda Junqueira e Brígida Cruz, sobre reuso, customização, roupas usadas: Moda consciente, com Rosângela Rubbo, e Ana Vaz.
            Desde já aguardamos a próxima edição do Fashion Revolution Day!



                                                                                                                                                          
 Patrícia SantAnna e Marcos Vaz durante o debate
 Patrícia SantAnna fala sobre Fashion Revolution
Andréia Couto e o Estilista Marcio Pereira aguardam abertura do evento

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Moda e Cultura

Museu do Objeto brasileiro A Casa apresenta exposição Renda-se
  
O curador da mostra é o designer Dudu Bertholini que também participa da exposição com uma peça exclusiva. Além da exibição das peças no saguão do museu, o visitante também pode assistir a um vídeo na parte superior do prédio, em que os estilistas falam sobre o processo criativo das roupas.

Trata-se de um projeto elaborado a partir do trabalho de diversos estilistas em comunhão com o trabalho de rendeiras brasileiras. Inspirados nos trabalhos atemporais das artesãs, cada um criou uma peça tendo como elemento principal a renda. Além de valorizar esse importante trabalho manual típico das nossas rendeiras, a mostra pretende também focalizar elementos essenciais da cultura brasileira, ao resgatar para o universo da moda traços típicos da nossa herança cultural, criando uma identidade única. Outro ponto importante a ser salientado em um trabalho dessa natureza refere-se ao resgate de uma atividade centenária, passada de mãe para filha, mas que, devido a pouca remuneração e por ser um trabalho que exige muita dedicação, paciência e expertise, tem sido abandonado pelas gerações mais jovens. Ao tratar a renda como assunto de moda, inseri-la de forma competitiva no mercado, reconhecer o trabalho das rendeiras e remunerá-las de maneira digna e justa, faz com que o trabalho ganhe a importância devida e não caia no esquecimento das futuras gerações. Essa arte deve ser não somente reconhecida, como também protegida como um patrimônio cultural.

Participam da mostra Walter Rodrigues, com a Associação de Rendeiras de Morros de Mariana, com as rendas de bilro de Parnaíba, Piauí; Lino Villaventura, apresenta a renda filé com Perpétua Martins, de Fortaleza, Ceará; Adriana Barra e André Lima com o Clube de Mães de Camalaú, da Paraíba e Amapô e Samuel Cirnansk trabalham com a renda irlandesa da Associação para o Desenvolvimento da Renda Irlandesa de Divina Pastora, de Sergipe; a grife Neon, de Dudu Bertholini; Rita Comparato e Huis Clo usam o labirinto em parceria com a ONG caiçara, em Icapuí, Ceará; Liana Bloisi focaliza e traço exclusivo da tramóia do bilro com Elita Catarina Ramos, de Florianópolis, Santa Catarina; e por fim, Martha Medeiros trabalha a renascença e o bilro de Alagoas em sua peça.

Paralelamente são exibidas peças de coleções próprias de designers como Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch, Cavalera e Zuzu Angel. Os assessórios ficam por conta de Sabrina Chapéus e Christopher Alexander.









A Casa


Criada em 1997, a instituição foi idealizada por Renata Mellão e inicialmente instalada à rua Coronel Irlandino, nos Jardins e em 2014 a nova sede, projetada pelo arquiteto Luiz Fernando Rocco, passou para a Av. Pedroso de Morais, 1216, em Pinheiros, em São Paulo. Trata-se de um importante espaço cultural que abriga trabalhos de designers e artesãos, cujo objetivo é valorizar o objeto brasileiro. Além disso, apóia a troca de informações entre esses criadores e instituições, estudiosos sobre o assunto, associações, profissionais, gestores, valorizando e permitindo uma reflexão sobre a produção desse ramo de atividade.

Moda e Cultura


Resgatando a História da Moda Brasileira: Clodovil Hernandes

Instituto Clodovil Hernandes em campanha para alocar acervo do estilista


O curador do acervo de Clodovil Hernandez, Vagner Carvalheiro, falou ontem, dia 16,  sobre a importância de Clodovil Hernandez para a moda brasileira e sobre o movimento para a concretização do espaço que abrigará o Instituto que leva o nome do estilista. A entrevista aconteceu durante a exposição Renda-se, evento que acontece paralelamente ao SPFW, no espaço A Casa, museu do objeto brasileiro.

Segundo Vagner, que é professor no curso de Moda da ETEC José Rocha Mendes, do Centro Paula Souza, a importância de Clodovil para a moda brasileira está na essência da criação do estilista, que idealizou roupas atemporais, clássicas, além de produzir peças com um acabamento impecável. Suas roupas dos anos 1970 continuam atualíssimas, fugindo de tendências e imediatismos. Muitas vezes fazia roupas para clientes exclusivas, para as quais criava de acordo com sua personalidade, sua história. Ele capturava o clima da cliente e criava  dentro do seu estilo. Não eram roupas genéricas nem de coleções. Para Vagner, a grande diferença entre os estilistas daquela geração e o mundo fashion de hoje é “ter e aparecer, mais do que ser”. Clodovil, assim como Dener e Zuzu Angel, fazia parte do “ser”, daí sua importância inegável.

O curador do acervo de Clodovil Hernandes, Vagner Carvalheiro 

O Instituto Clodovil Hernandez foi fundado por Maurício Petiz, assessor pessoal de Clodovil e produtor de seu último programa A casa é Sua. Para quem quiser conhecer mais sobre o Instituto, pode consultar a página oficial no Facebook.

O Instituto, que ainda não tem sede e está em fase de captação de recursos, deve ser  alocado em São Paulo. Do acervo fazem parte cerca de 50 vestidos, entre eles sete vestidos de noiva, além do vestido com o qual foi o vencedor do Prêmio Agulhas de Ouro e peças de clientes que teve em Brasília.

Clodovil Hernandes é um dos três grandes nomes da história da moda no Brasil de uma geração que primou pela elegância, criatividade e estilo. Começando em uma época em que a moda exclusiva era para um público seletíssimo, Clodovil fez parte de um mundo restrito de uma moda brasileira formada por poucos e renomados criadores que fizeram história, como Dener Pamplona de Abreu e Zuzu Angel.

Cenas do passado de Eva, a bela e a fera
Clodovil assumiu seu lado midiático e foi para a TV ainda nos anos 1970, no Programa 8 ou 800, da rede Globo, respondendo perguntas sobre Dona Beja, sob a apresentação de Paulo Gracindo. Clodovil não deixou sua participação por menos: angariou o prêmio máximo.

Nos anos 80, participou do TV Mulher. Inovador, foi o primeiro programa voltado para a mulher moderna no mundo global pré Ana Maria Braga. Naquela época, a sexóloga Marta Suplicy falava de sexo e mulher na televisão enquanto muitas donas de casa preparavam o almoço (falar de sexo e direitos da mulher nos anos 80, era um tabu). Participavam do programa, entre outros, Marília Gabriela, Ney Gonçalves Dias e Clodovil, que desenhava ao vivo modelos para telespectadoras que escreviam cartas pedindo modelos. Enquanto desenhava, falava de moda, do mundo fashion, dava dicas de estilo, comentava cenas cotidianas. A abertura do programa, com música de Rita Lee e Roberto de Carvalho - Cor de Rosa Choque, dava o clima do programa. Foi nesse período que Clodovil deixou seu exclusivo mundo de agulhas, paetês e hight society para ficar conhecido do grande público. E não parou mais.

No mesmo período, apresentaria os programas “Clodovil” (Rede Bandeirantes - 1983), “Manchete Shopping Show” (Rede Manchete - 1983/1985) e “Clô para os Íntimos” (Rede Manchete - 1985-1988). Nos anos 90, no canal CNT, apresentou os programas “Clodovil Frente e Verso” (1993/1994), “Clodovil em Noite de Gala” (1993/1994) e “Retratos” (1995/1996). Na TV Gazeta, nos anos 2000, é a vez de apresentar o programa “Mulheres”. Na RedeTV! apresentou o programa “A Tarde é Sua”, em 2003

Sempre polêmico, falava o que pensava com seu jeito característico de arregalar os olhos e olhar diretamente para a câmera. Costumava dizer que lidava muito bem com as câmeras porque gostava de olhar direto nos olhos das pessoas, e as câmaras representavam isso para ele.



Talentoso, irreverente, polêmico, ácido e dono de frases de efeito que “causavam” por onde eram proferidas, podia ser tudo, menos ignorado.

Foi eleito, em 2006, deputado federal pelo PR-SP, mudou-se para Brasília, foi polêmico e morreu sozinho, aos 71 anos, de uma parada cardíaca, em 2009.

Em Ubatuba mantinha uma casa para onde se refugiava dos holofotes. Atualmente há nela algumas peças do seu acervo pessoal, poucas mobílias e retratos de família, mas aparenta estado de abandono. Construída em área de preservação ambiental, o Ministério Público entrou na justiça com pedido para venda.


Moda sustentável/Consumo consciente


WE ARE 
FASHION REVOLUTION
BRAZIL


http://fashionrevolution.org/country/brazil/
SUAS ROUPAS JÁ CONTAM UMA HISTÓRIA SOBRE QUEM VOCÊ É.
AGORA ELAS PODEM DIZER ALGO MELHOR.
 O Fashion Revolution Day é um movimento criado por um conselho global de líderes da indústria da moda sustentável, ativistas, imprensa e acadêmicos que se uniram depois do colapso do edifício Rana Plaza em Bangladesh que desabou no dia 24 de abril de 2013 deixando mais de 1.133 mortos e 2.500 feridos. A campanha surgiu com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto em todas as fases do processo de produção e consumo; mostrar ao mundo que a mudança é possível através da celebração dos envolvidos na criação de um futuro mais sustentável; criar conexões e trabalhar em rumo às mudanças a longo prazo exigindo transparência.
A moda é uma força a ser considerada. Ela inspira, provoca, conduz e cativa. O Fashion Revolution Day quer ajudar a tornar a moda uma força para o bem. A fundadora do movimento e pioneira em moda fair-trade (troca justa), Carry Somers diz: “Eu vi que o desastre do Rana Plaza poderia atuar como um catalisador, espalhando a conscientização em prol da moda ética/sustentável e fornecendo uma janela para fazer a mudança real. O Fashion Revolution Day representa uma excelente oportunidade para reconectar os amantes da moda com as pessoas que fizeram suas roupas”.
“O Fashion Revolution Day promete ser uma das poucas campanhas verdadeiramente globais a surgir neste século”, diz Lola Young, que criou o Grupo Parlamentar de Todos os Partidos sobre Ética e Sustentabilidade na Moda.
A Co-fundadora Orsola de Castro diz: “Com um simples gesto de vestir sua roupa do avesso, nós queremos que você pergunte: ‘Quem Fez Minhas Roupas?’. Essa ação irá incentivar as pessoas a imaginar o “fio” do vestuário, do maquinista que costurou e todo o caminho até o agricultor que cultivou o algodão de onde os tecidos foram feitos. Esperamos que o Fashion Revolution Day inicie um processo de descoberta, aumentando a conscientização sobre o fato de que a compra é apenas o último passo de uma longa jornada que envolve centenas de pessoas, realçando a força de trabalho invisível por trás das roupas que vestimos”.
No dia 24 de abril de 2015 será celebrado o segundo Fashion Revolution Day, estão previstos eventos em quase 70 países. No Brasil teremos eventos em diversos estados e a campanha estará sendo apresentada e divulgada em escolas, faculdades, imprensa e redes sociais. Para participar, você poderá acompanhar a agenda local e entrar em contato através das nossas páginas e e-mails.

Upcoming Events


Moda sustentável/Consumo consciente

Moda sustentável: é possível produzir sem agredir
Andréia Terzariol Couto
            Hoje em dia, cada vez mais, as empresas estão se posicionando de forma a deixar claro para os consumidores sua visão em relação à forma de produzir. Os consumidores, por sua vez, a cada dia se interessam mais pela forma como os produtos chegam até suas mãos. O número de consumidores interessados na cadeia produtiva das empresas está crescendo, juntamente com a consciência ecológica.
            Até a década de 1990, preocupar-se com natureza, de uma forma geral, levantar discussões ambientais em uma roda de amigos ou defender o direito dos animais era visto como algo aborrecido, chato, de gente que não tinha o que fazer. A alcunha de “eco chatos” veio na sequência. Várias foram as charges e piadas que cercavam as pessoas que defendiam os direitos a uma vida menos poluída, com mais verde, contra o desmatamento desenfreado, a exploração predatória de recursos naturais, fossem em mineração, pesca, ou alguma outra forma. Os defensores da natureza eram retratados como pessoas sem noção que se deixavam acorrentar em árvores para que elas não fossem cortadas ou que faziam qualquer tipo de loucura para criarem algum fato que ganhasse a mídia.
            O Green Peace, uma organização global não governamental de proteção ao meio ambiente e uma das de maior visibilidade e credibilidade quando o assunto é ambientalismo, sempre pautou algumas de suas atitudes em ações espetaculares ao redor do mundo, e os participantes que congregam os ideais dessa organização aceitam participar das ações enfrentando toda a sorte de perigo. A última grande ação do Green Peace ocorreu em setembro desse ano e ocasionou a prisão de 28 de seus  ativistas pelo governo russo, que acusou o grupo e a entidade de pirataria, por protestarem contra a exploração de petróleo no Ártico. Nos últimos dias, até mesmo celebridades como Paul McCartney e Madona enviaram apelos ao governo russo pela libertação dos ativistas, ao que parece, até agora, sem sucesso.
            A distância que nos separa hoje dos acontecimentos discutidos na RIO 92 fez mostrar ao público e aos governos que os eco chatos podiam até ser chatos, mas tinham razão. A olhos vistos, e a uma velocidade preocupante, a paisagem vai se transformando, assim como o clima, o ar, a qualidade das águas fluviais, a qualidade dos alimentos, o aumento da falta dele em algumas regiões, bem como de algumas pragas e do buraco da camada de ozônio. Começa-se a perceber que uma ameaça silenciosa está se aproximando. Em vinte e dois anos, pôde-se perceber que a velocidade das transformações climáticas tornou-se algo preocupante para todos, não apenas para um punhado de ambientalistas. Ou nos preocupamos agora ou nada restará às futuras gerações. Estamos hipotecando seu futuro e talvez elas não tenham como pagar essa dívida.
            A cegueira da produção sem fim, o sistema produtivo predatório, a fúria consumista estão levando à degradação do planeta a uma velocidade muito grande. Nesse sistema, consumidores alienados deixam-se levar pela propaganda hipnótica do querer cada vez mais e pressionam por novidades, que chegam ao comércio.
            E onde entra a Moda nisso tudo?

Diga-me como te vestes e eu te direi quem és
Basta um pequeno olhar pela História da Moda, ou História do Vestuário, pois até séculos recentes, tudo o que as pessoas se preocupavam em termos de novidade em “moda” era a renovação anual do vestido ou casaca de domingo.
            Historicamente falando, a preocupação do indivíduo com essa palavra dá seus primeiros passos no início do Renascimento e ainda assim, a noção de moda referia-se a alguns detalhes que demoravam anos para transformarem-se. E moda era algo com que somente as classes privilegiadas podiam preocupar-se, uma vez que as classes subalternas pouco freqüentam lugares de lazer, como teatros, óperas, salões de bailes. O lazer das classes menos abastadas restringia-se à visita semanal ao culto religioso, passeios no parque, reuniões familiares. E para isso bastavam as roupas (poucas) reservadas estritamente para essas ocasiões.
            O cenário começa a se transformar, na Europa, com a Revolução Industrial, a saída em massa de camponeses do campo em direção às fábricas nas cidades e o emprego de mulheres como força de trabalho. Das fábricas para o comércio, a mulher começa não somente a sair mais, mesmo que seja para o trabalho, mas também passa a receber um dinheiro que antes não lhe era acessível. Passa a ser assalariada, consumidora.
            Já no século XX, os períodos das duas guerras mundiais chamam novamente as mulheres a ocuparem postos de trabalho, dessa vez não para complementar a mão-de-obra masculina, mas para substituí-la, uma vez que os homens se encontravam-se em batalha ou mortos. A vestimenta feminina passa a ser mais prática, mais resistente. Após a Segunda Guerra, a mulher não volta mais para o lar, continua trabalhando e necessitando de roupas mais práticas, que possam ser usadas mais vezes sem que deformem ou amassem. A indústria têxtil vem ao seu auxílio e surgem o naylon, o rayon, a lycra. A roupa é lavada após o trabalho, pendurada em um cabide no banheiro e na manhã seguinte está pronta para o uso.
            Mas a indústria têxtil e o comércio percebem que essa praticidade poderia levar as mulheres a consumirem menos. Como levá-las a “precisar” de mais peças, desejar mais roupas? E ainda: como tornar essa roupa mais acessível à mulher trabalhadora, recém emancipada? A resposta estaria nos grandes magazines e na roupa prêt-a-porter, ou pronta para usar, um conceito disseminado nos anos 1960 que existe até hoje. Nada de costureiras personalizadas, que costuravam as roupas sob medidas. Nos magazines era possível encontrar variadas peças do vestuário prontas para usar, pois havia a padronização das medidas e cada qual escolhia o seu número sem precisar esperar pelos ajustes da costureira.
            Naturalmente que essa transformação na forma de consumir roupa tem como base a transformação da produção do vestuário. Exércitos de mulheres passam a ser recrutadas para as fábricas e, em um ritmo acelerado, como manda o modo de produção capitalista, passam a trabalhar horas a fio, em condições e salários extremamente desfavoráveis (para elas). As revistas de moda, cujo auge tem lugar em meados do século 20, são o sustentáculo dessa produção em série: repletas mensalmente de “novidades”, detalhes, desejos, ajudam a impulsionar as vendas de roupas e agora também de todo um arsenal de necessidades: os acessórios. Calçados, cintos, bolsas, bijuterias e mais o que surgir para ajudar a compor o look feminino, que agora passa a ser datado em estações. Nada é para sempre. Nada é atemporal. A moda exige mudanças periódicas, e a mulher de bom gosto deve segui-la à risca, para não ser apontada pelas outras (será que os homens perceberiam se naquela determinada estação não se estava mais usando bolinhas, e sim xadrez?) como démodé.
           
O século XXI chega: a degradação ambiental e a exploração do trabalho se aceleram, mas a conscientização aumenta
            Recentemente, mais precisamente, no ano passado, 2012, uma importante loja espanhola instalada em nosso país, foi acusada de empregar trabalho escravo em suas confecções. Pressionada pela imprensa, defendeu-se alegando que terceiriza sua produção, portanto quem havia empregado os pobres escravos era a empresa contratada. Ou, seja, uma empresa como a Zara quis dizer que não se envolve em todas as etapas do processo produtivo da sua marca.
            Mais recentemente ainda, durante as aulas do curso de Design de Moda, durante uma interessante discussão sobre o processo produtivo de certos produtos que chegam às mãos da consumidora a preços exorbitantes, mas que são na verdade produzidos por pessoas em um país distante em condições de semi escravidão, alguém argumentou: “não quero defender o trabalho escravo, mas se não trabalharem assim não vão morrer de fome?”
            O que se pode dizer desses dois exemplos é o seguinte: a Moda, a indústria da moda é uma indústria como outra qualquer, portanto, segue uma lógica de produção que está inserida dentro de um sistema que visa o lucro, em primeiro lugar, em último, as condições de trabalho das pessoas envolvidas nesse processo. Por fim, que a reflexão acerca desse processo entre muitos, inclusive de alunos de um curso de Moda, é zero.
            Não é novidade hoje para ninguém que a indústria da moda é tão predatória e nefasta como a da mineração, por exemplo, quando se trata das condições de trabalho daqueles que emprega. O mundo da moda talvez seja ainda mais perverso por produzir desejos, peças lindíssimas, fetiches para qualquer consumidora, que muitas vezes paga sem pensar milhares de dólares por um produto fruto de exploração. A mesma moda que instituiu a pele como o máximo em termos de aquisição chique - hoje, eufemisticamente, os vendedores dizem que as peles são procedentes de fazendas de criação, não mais de animais abatidos através da caça. Ufa, que bom para as focas, os leopardos, os jacarés, as raposas. Alguns de suas espécies estão sendo criados para fornecerem suas belas peles e couro, portanto, as poucas que restaram e só estão no limiar da extinção - podem respirar sossegadas.
            É também a moda que prega que precisamos de novidade. Pelo menos a cada duas temporadas no ano. Assim, o ritmo das novidades deve acelerar-se, a criatividade posta a serviço da produção. Basta pensar na oferta dos produtos chineses do vestuário. Uma camisa chinesa é vendida no varejo a R$ 5,00. Qualidade à parte, para que ela, a camisa, chegue às mãos do consumidor a esse preço, após todo o processo de produção do qual fez parte, de atravessar o oceano e ter participado de toda a logística de distribuição, podemos ter uma idéia de quanto, lá na China, a pessoa que a confeccionou recebeu.
            Esse cenário desalentador tem sua contrapartida. Enquanto empresas aceleram sua produção com o único intuito de visar o lucro, outras surgem na contramão desse pensamento.
            É aqui que entra a discussão sobre sustentabilidade, que é o conjunto de ações e atividades humanas que visa suprir as necessidades do ser humano sem agredir o meio ambiente e, consequentemente, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Portanto, desenvolvimento sustentável é a maneira de produzir de forma a utilizar de forma racional e consciente os recursos naturais.  É o que veremos a seguir.

A produção orgânica chega à Moda
Também no ano de 2012, quase no mesmo período em que houve a denúncia contra a rede espanhola Zara, a gigante da confecção sueca H&M foi acusada de manter os funcionários de sua produção no Camboja em péssimas condições de trabalho, produzindo em um galpão quente e mal ventilado.     Como as leis trabalhistas e tributárias em países industrializados são muito rígidas, as grandes empresas de confecção dirigem-se a países pobres, onde a flexibilização dessas leis permite que as empresas possam produzir com um lucro gigantesco, sem se preocupar com salários, condições de trabalhos, entre outras exigências. Além disso, em certos países, a fiscalização concernente ao uso de produtos químicos na lavoura, como fertilizantes e defensivos químicos, é bastante permissiva. A produção de algodão, por ser muito suscetível a pragas, exige que o produtor aplique uma quantidade excessiva de agrotóxicos, muitos deles já banidos pela legislação vigente em alguns países industrializados, mas vendidos e usados livremente em muitos países pobres. O que aconteceu com os trabalhadores do Camboja, produzindo as calças jeans que são vendidas pela bagatela de vinte Euros na Europa, foi que entraram em contato com resíduos desses produtos químicos altamente tóxicos, presentes no tecido de algodão que manuseavam, e que entraram em contato com a pele. Mais de cem funcionários foram intoxicados e levados para os hospitais locais com sérios sintomas de intoxicação respiratória e de pele.
            Esse caso serve de exemplo para mostrar que algumas empresas hoje se preocupam muito com o produto que colocam à venda, interessando-se pelo processo de produção em todo o seu percurso, começando pela terra em que é plantado o algodão. Trata-se do que se chama a produção orgânica de fibras, como a do algodão, do linho. Uma empresa que faz questão de usar somente algodão proveniente de plantações tratadas de forma orgânica é a Reserva Natural. Outras menores têm seguido esse mesmo caminho, em um claro respeito ao consumidor, ao produtor, ao trabalhador, ao meio ambiente.
            Hoje é possível encontrar vários produtos ligados à moda de origem orgânica, desde roupas até produtos de higiene e beleza. Assim como os alimentos orgânicos, ainda custam bem mais caros que os convencionais, mas à medida que o consumidor começar a conscientizar-se e se dispor a pagar mais pela sua saúde, os produtores começam a se entusiasmar com o crescente mercado e a tendência é a de maior oferta desse tipo de produto e, portanto, de um preço ofertado mais acessível.
            Modo de produção limpo, sem agressão ao meio ambiente e aos recursos naturais, respeito à natureza, a quem produz e consome. Hoje as empresas, dos mais variados setores, então se engajando nessa maneira de produzir e para isso querem mostrar aos consumidores como produzem e o que fazem pelo meio ambiente. Na semana passada, uma importante revista semanal publicou o ranking das principais empresas no país, de diversos setores, que estão engajadas em ostentar o seu selo verde.

Campinas, novembro de 2013