Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

I Encontro dos Aeronautas do Vale do Tapajós

Um reencontro de amigos que não se viam há trinta anos. Juntos, conviveram por quase uma década, outros até mais. Após o auge dos garimpos na região de Itaituba, os aviadores foram deixando a cidade e seguiram rumos diferentes: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia, Goiás... Tudo o que viveram naqueles anos oitenta tinha ficado para trás. Esse encontro trouxe de volta as aventuras durante os voos arriscados, as aterrissagens nas pistas dos garimpos, a distância da família, o dinheiro ganho com o ouro, os amigos que morreram na mata.
A partir daqui relato os dias que passei com eles, momentos que para mim também foram de muitas lembranças e momentos de grande emoção.

Há anos venho alimentando a ideia de escrever sobre esse período em Itaituba e todas as histórias que movimentaram aquela pequena cidade isolada no meio da floresta, no interior do Pará, às margens do rio Tapajós. Parte dessa vontade se deve aos escritos que meu pai deixou, relatando suas memórias, não só da época em que viveu ali, durante parte dos anos 80, mas também da sua trajetória na aviação. Antes de morrer, deixou comigo um arquivo em que essas histórias são narradas no intuito de que eu organizasse em forma de livro. Infelizmente ele se foi antes de ver esse material compilado, editado e publicado. E assim o arquivo ficou guardado durante muito tempo até que, há três anos, retomei os originais e comecei a editá-lo, vindo daí a ideia de que deveria retomar a Itaituba para reencontrar as pessoas com quem ele havia convivido e trabalhado na aviação de garimpo. Tinha planejado passar em Itaituba parte do mês de julho, tentando encontrar as pessoas que ainda estivessem por lá e entrevistá-las. No entanto, não tinha mais nenhum contato com ninguém, seria uma viagem às cegas. Por fim, a viagem não deu certo e resolvi procurar alguém que tivesse trabalhado na aviação durante aquela década e comecei por um site sobre aviação. E reencontrei um velho amigo da nossa família. Escrevi uma mensagem a ele, que imediatamente respondeu e me deu a grande notícia: dali a alguns dias, Itaituba seria a sede do Primeiro Encontro dos Aeronautas do Vale do Tapajós, e eu deveria ir. Seria no dia 06 de agosto e minhas férias terminariam dia 31 de julho. 

E ir para Itaituba não é como ir ali em São Paulo; exige planejamento e, principalmente, dinheiro, ainda mais viajando em cima da hora. Certa de que não daria pra ir, deixei de lado a ideia e viajei para Minas, para passar uns dias com a minha mãe. Mas a possibilidade do ir e reencontrar todos de uma vez, no mesmo lugar, não me saía da cabeça. Voltei, passei por outra cidade, Uberaba, onde apresentei um trabalho em um encontro de História. Continuei o caminho de regresso, parando por três dias em São José do Rio Pardo, já com a certeza de que eu daria um jeito de ir. Cheguei em Campinas no domingo e na segunda de manhã estava na agência de viagens de uma amiga e disse a ela: "Vim pedir que você me mande para outro lugar distante". Prá África, de novo?!" "Não, preciso ir para o interior do Pará, daqui três dias".

E assim, depois de constatar que não havia mais linhas comerciais de avião para Itaituba, comprei as passagens de avião, indo por Manaus e voltando por Belém. O trecho entre Santarém e Itaituba deveria ser feito de barco. Léo, nosso amigo daquela época, já havia me alertado que eu deveria fazer esse trajeto de barco, o que eu recusei veementemente: de barco, de jeito nenhum. Ainda mais uma viagem que poderia durar entre cinco e sete horas. "Não tem problema, é muito seguro e todo muito faz". Bom, se não tem outro jeito... vamos lá. Já encarei situações mais diferentes, nas minhas viagens. E depois, no fundo, estava curiosa para experimentar. O Léo comprou as passagens de barco, ida e volta e reservou o hotel, além de me recolher no porto e ser meu anfitrião durante todo o tempo em que fique na cidade. Um grande amigo!

E assim foi. Meu marido, claro, não acho muito bom eu ter resolvido ir de última hora, mas como sempre, me apoiou, dizendo que eu deveria ir. "Da próxima vez que inventar uma viagem, vê se planeja com antecedência!"

E no dia quatro começou a viagem, que duraria até o dia 10. Deu tudo certo, e não teria me perdoado se não tivesse ido.




Dia 04 de agosto, saindo. A expectativa de voltar, trinta anos depois, é muito grande. Da cidade, algumas imagens; das pessoas, meus pais, meu irmão, alguns amigos, o Quito, o gato Lafaiete, a casa de madeira, o cheiro da casa de madeira, os camaleões na árvore em frente a casa na beira do rio. A praia, a época da cheia, a serpente enorme nadando no rio, os barcos carregados de mercadoria em frente a sacada de casa; a balsa atravessando o rio em direção à vila do outro lado, dando continuidade à Transamazônica; a cidade empoeirada, a rua principal com o comércio de compra de ouro; garimpeiros com dentes dourados; a mangueira da praça, as cabanas de venda de tacacá; o porto, os barcos de dois andares com redes penduradas; o mercado, os peixes, a caldeirada. O aeroporto lotado de gente e aviões; A solidão. O isolamento. A floresta. O medo.



Eu e o Quito, na sacada da nossa casa, em frente o rio Tapajós, dezembro de 1982

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