Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

domingo, 21 de agosto de 2016

Mas e essa necessidade de revisitar o passado?

A comparação, em certas situações, é inevitável. O antes e o depois, como era, como ficou. O tempo marcou as pessoas, não poupou até a velha mangueira, exuberante, naquela época, referência para os vendedores ambulantes de tacacá e para quem buscava aquela sombra quase única para uma pausa do sol de quase quarenta graus. Agora está quase sem folhas. Riscou os rostos dos amigos, acrescentou quilos, envergou pessoas, encrespou as peles. Não poupou as paredes, as casas, corroeu mais alguns centímetros a orla do rio, descascou o casco dos barcos, derrubou a nossa casa! Eu já sabia, mas como fiquei triste! O tempo, ah, o tempo...mas o mais triste dele não é a mudança. É que de vez em quando, não satisfeito em transformar, ele leva. E aí, nós que ainda estamos aqui observando, ficamos também carregados daquele aperto da dor da falta. Onde estão as pessoas? Muitas que davam vida àquele lugar já não existem mais.

Aviões na fila do abastecimento no aeroporto de Itaituba, década de 1980
(Foto: André T. Couto)

Vista aérea do aeroporto de Itaituba, década de 1980
Foto: André T. Couto)

08/08/16 - Às vezes queremos muito voltar, mas a volta só nos faz deparar com a crueza da percepção da decrepitude


O aeroporto, durante as décadas de 1970, 1980 e parte de 1990, foi o corpo e a alma de Itaituba. Tudo girava em torno dele. Alguns poderiam dizer: não, eram os garimpos. Os garimpos podem ter atraído uma grande parte de pessoas para a região, mas sem o aeroporto, seus aviões e as pessoas que se dispunham a transportar pessoas e mercadorias num vaivém incessante entre a cidade e os tantos garimpos, Itaituba não teria se tornado o que foi da noite para o dia.
Logo cedo, os pilotos se dirigiam pra lá. Os que não tinham carro, iam de carona, concentrados numa esquina da cidade a caminho do aeroporto. Este chegou a ser considerado o mais movimentado do mundo em pouso e decolagem, nos tempos gordos do movimento do ouro. Segundo meu pai, de manhã havia filas de aviões à espera do abastecimento. A pista foi asfaltada, o aeroporto ampliado, uma torre de controle construída, a sala de embarque reformada, a placa "Aeroporto de Itaituba" erguida no alto a estação, que tinha à sua frente uma simpática pracinha. Do outro lado, a Associação do Aeronautas do Vale do Tapajós, uma sede construída com o apoio de todos os aviadores.
No dia oito, de manhã, depois do café da manhã, fomos ao aeroporto. Eu estava ansiosa, desde a minha chegada, para voltar a vê-lo, ainda guardava imagens antigas dele. E foi uma tristeza. Quem conheceu aquele lugar no apogeu do seu movimento, mal podia crer naquele estado de abandono, desde a chegada: a placa Aeroporto de Itaituba não estava mais no alto do prédio da estação de passageiros; a sede da Associação, abandonada. Fomos saudados por um senhor risonho, velho conhecido, taxista do aeroporto há trinta anos e conhecido de todos. Ainda resiste em seu posto.
Entramos pela lateral, onde ficam os hangares e a sede do Táxi Aéreo. Debaixo da velha mangueira, um antigo aviador aguardava passageiros. Durante o tempo em ficamos lá, pouco mais de uma hora, um avião do Táxi Aéreo decolou em direção a Novo Progresso, cidade distante 300 quilômetros ao sul de Itaituba. Um avião de passageiros da Mapa (no site da empresa há um aviso que deixaram de operar em Itaituba, mas concretamente ainda faz a linha para Santarém e Manaus) pousou; e um outro avião, Cessna, decolou.
Foi triste ver aquele lugar tão efervescente no passado estar daquela maneira abandonado. A sensação de que muitas coisas interessantes que já foram construídas no nosso país, acabam caindo n decadência e abandono. Algo como as ferrovias, por exemplo.

 A antiga placa ainda dá as boas vindas aos visitantes,
na pracinha em frente à estação de passageiros
 Meu amigo Cebinho chegou enquanto estávamos lá: é inevitável, todos têm que dar uma passadinha  no aeroporto
 Como era a Associação na época em que foi fundada

 A placa da fundação, que hoje não está mais lá

 A sede como está hoje, fechada



 A Torre de controle ainda existe, mas sem uso
 Um orelhão-Marajoara

 
 A entrada da Estação de Passageiros
 Léo e o antigo taxista, ainda na ativa
 Hangar do Táxi Aéreo
 O aeroporto vazio, hoje









 É mesmo debaixo da mangueira que todos querem ficar

 Ao fundo, o avião de passageiros da Mapa chegando
  O "310" se preparando para decolar em direção a Novo Progresso

Um cajueiro solitário no caminho, com seu jeitão de árvore do cerrado.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Dia 8, segunda-feira

Café da manhã tranquilo. Enquanto tomava várias xícaras de café, fiquei pensando naqueles dias, colocando as ideias em ordem e digerindo - degustando - tudo o que tinha visto e ouvido. Não tinha sido fácil voltar ali, trinta anos depois, sem a minha família; responder a todos os amigos do meu pai que ele tinha falecido, quando, onde, como. Ouvir tantas histórias sobre ele. Fiquei pensando em como convivi pouco com ele, em como não o conhecia totalmente e é como se ali, tão longe, ele tivesse vivido em um universo paralelo, tendo tido uma vida da qual eu não fiz parte e tampouco conhecia. Ainda agora, escrevendo, muitas coisas não me saem da cabeça: quem era ele de fato, como foi sua vida ali, como foi enfrentar um cotidiano de acidentes e mortes, longe da família; como ele se livrava dos seus fantasmas... E só me vem imagens, imagens...
 O porto
 A árvore sem folhas
 As cabanas que vendem tacacá
 A velha árvore e as folhas que não existem mais
A casa que foi derrubada...
Vida de ventos e velas

Do almoço direto para o barco. Uma parte se vai. Fiquei com o coração apertado de não poder ir junto, enquanto uma maioria partia.


 Olha o barco Natureza! Das cinco da tarde até a manhã seguinte, navegando pelo Tapajós até Alter do Chão
 Balancei mais que o barco de vontade de ir junto!
 Fiquei quase só

Domingo, dia 07
Para quem pensava em curtir a ressaca do churrasco do almoço e da festa do dia anterior no domingo, enganou-se: novo encontro tinha sido programado, dessa vez um churrasco na fazenda do Juarez, personagem icônico de Itaituba e conhecido por todos.
Novamente o ônibus passou no hotel para pegar o grupo e lá fomos nós novamente, eu sempre com meu caderno de anotações a postos, ouvidos atentos para ouvir as histórias que iam se acumulando. Dessa vez a almoço foi ao ar livro debaixo das mangueiras.


 Ao centro, de camisa listrada, Juarez, o anfitrião da festa


Fotos de lembrança desse reencontro não vão faltar
A noite do reencontro e das homenagens

Às 20 horas teve início o evento tão esperado. A essa altura, todos já haviam chegado a Itaituba e foram chegado à festa com suas camisetas de "Águia". Uma parte veio de barco, outra de avião, e ainda houve quem tivesse encarado centenas de quilômetros de estrada de terra!
O salão foi se transformando com a chegada barulhenta dos aviadores, muitos com suas famílias. A banda caprichava na MPB - parece que ali no Pará o que vale é a música brasileira de qualidade. Algum tempo depois, antes de servido o jantar, dois apresentadores da TV Tapajoara deram início ao evento, narrando a história dos pioneiros da aviação naquela região, enquanto no telão atrás deles eram projetadas imagens dos pilotos naquela época e também dos garimpos, da cidade, do aeroporto. Não faltaram fotos de aviões acidentados. Foram lidos os nomes dos aviadores, um a um, inclusive os que já tinham falecido. Foi um momento em que a emoção tomou conta de muita gente.
Três dos presentes foram homenageados, os primeiros chamados por seus apelidos, como sempre foram conhecidos: Pai Velho, hoje com 95 anos; o Careca, e o Flávio, e receberam um troféu em forma de águia. Fui chamada para entregar o do Careca.