Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A Demoiselle e o Boing

A Demoiselle e o Boing
                                                                       Andréia T. Couto
            O mundo das aeronaves tem sido foco da imprensa nas últimas semanas. Primeiro, por causa do acidente com o Boing da Gol, levando consigo 154 vítimas. Segundo, porque a data 23 de outubro de 2006 comemora os 100 anos do primeiro vôo do 14 Bis, um ano antes que a graciosa parisiense Demoiselle de Santos Dummont levantasse suas asas sobre Paris. Seja como for, o aviões significam não só a conquista suprema da tecnologia que nos põe – hoje – confortavelmente nos ares, como tornou possível à humanidade dominar o binômio espaço/tempo. O que nos impede, pelos menos às pessoas comuns, de viajarmos pelo mundo não são as dificuldades impostas pela distância e pelo tempo, mas sim as barreiras econômicas. Pois para quem pode, o outro lado do mundo é logo ali.
            Claro que para o viajante moderno, o avião é o ponto de partida para a sua aventura, como as caravelas eram para os ancestrais aventureiros do século XVI. Avião e viajantes andam (voam) juntos.
Já me disseram que meu gosto pelas viagens herdei dos meus pais, ele, piloto da aviação civil, ela uma das pioneiras a “solar” um Paulistinha no início dos anos 60. Aliás, tudo começou assim: em uma pequena cidade do interior de Minas, ela foi fazer o curso de pilotagem na recém instalada escola; ele era o instrutor.
Minha primeira viagem aérea foi com alguns dias de vida, instalada confortavelmente no colo da minha mãe no banco de trás de um também Paulistinha, indo de São Paulo para Minas para conhecer meus avós maternos. Também tomei aulas de pilotagem, mas foram poucas horas. Mas a influência para o gosto das alturas e pelo além-mar não para por aí: pequenininha, adorava ver a correspondente da Globo em Londres, Sandra Passarinho, que tinha quase sempre como cenário para as suas reportagens o Big Ben – “Quando eu crescer, quero ser igual a Sandra Passarinho” – em profissão e viagens, complemento agora.
Desde criança, aguardava ansiosa, com minha mãe e meu irmão, o regresso do meu pai vindo de algum lugar distante (talvez nem fosse tão distante assim): no dia da chegada, nós três ficávamos atentos ao barulho de qualquer avião, esperando pelo vôo rasante que ele faria sobre nossa casa. Era uma festa, e também a deixa para largarmos tudo e partirmos rápido para buscá-lo no aeroporto. Até hoje ainda tenho o hábito de olhar para cima sempre que ouço o barulho de um avião.
Pois deve ter sido isso: vê-lo partir, chegar, contar histórias, trazer presentes, lembranças, de acompanhá-lo ao aeroporto e passar por lá longas horas quando ele não estava a serviço. Tudo isso somado aos livros infantis e aos seriados de TV da Sessão da Tarde: Jornada nas Estrelas, Viagem ao Fundo do Mar (e seu maravilhoso Subvoador) Perdidos no Espaço, complementando a herança genética.

Qual a minha primeira viagem emocionante? Difícil dizer, pois foram várias, divididas em algumas categorias, que fica difícil arriscar. Depende da época em que foi realizada, a expectativa, o que buscava encontrar...Viagens urbanas, viagens no campo, às bordas de florestas, em barcos...Mas sem dúvida, parecia que ela só começava a se concretizar no saguão do aeroporto, e depois, principalmente na decolagem. Enquanto subia, um delicioso friozinho na barriga me fazia pensar...lá vou eu de novo!
Originalmente publicado na revista Griffe (2008)

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