Um ano de solidão
Há um ano o mundo se despedia de
Gabriel Garcia Marques. Jornalista, cronista, escritor fez da palavra tudo o
que um grande homem pôde conseguir da vida e recebeu o que toda e qualquer
pessoa que escreve sonha um dia ganhar: um prêmio Nobel. Sua vida foi dedicada
à escrita. Cedo ainda conheci A incrível
e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada, e daí não parei
mais: Olhos de cão azul; Cem anos de solidão, analisado,
dissecado na faculdade nas aulas de literatura; ainda durante o curso de
Letras, Do amor e outros demônios; no
início da vida na Alemanha, ainda sem conseguir ler nada no idioma nativo,
procurei por alternativas e me deparei com a versão em espanhol de Relato de un naufrago, que devorei em
algumas horas; retornei à mesma livraria tempos depois para pegar La mala hora e Cien
anos de solitud; tempos depois, em viagem a Buenos Aires, a aquisição de La increíble e triste historia de La cándida
Eréndira y de su abuela desalmada e Ojos de perro azul; De Santiago do Chile
vieram El otono del patriarca e Los funerales de La Mamá Grande; para as
aulas de jornalismo, um clássico: Notícia
de um seqüestro, mas antes Memórias
das minhas putas tristes, obra produzida na sua maturidade. São muitos os
meus Garcia Marques, que ocupam um lugar de destaque na minha estante, local de
fácil visualização, onde passo sempre os olhos e vez ou outra retiro da
prateleira para ler algum trecho. Um dia, visitando as prateleiras de uma
grande livraria, passei os olhos rapidamente pelos livros quando barei de
repente sobre um título: El olor de La
guayaba. Conversaciones com Plínio Apuleyo Mendoza. Como que em câmera
lenta fui me aproximando do livro que há tempos buscava em sebos sem sucesso.
Minha geração foi extremamente
tocada pelo realismo mágico das obras de Garcia Marques, e parecia que aquele
estilo respondia às nossas ansiedades de entender um mundo dividido
ideologicamente, que tentava sair da ditadura, da censura, da política
opressora, e vislumbrava à sua frente todas as possibilidades que a imaginação
literária pudesse fornecer. Aquela literatura era um alento e nos dizia que o
sonho não era incompatível com a realidade nem com o futuro que queríamos. Ele
representava para nós o orgulho de termos na América latina um escritor daquela
natureza, companheiro de Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Pablo Neruda, Julio
Cortazar, Luis Borges. Esses autores
escreviam poesia, contos, romances, mas o que os iluminava era o sonho da
liberdade e de um mundo mais justo.
Em janeiro de 2007 fiz uma viagem
a Cartagena de Índias. Meu roteiro incluía um passeio pela rua onde Gabriel
Garcia Marques mantinha uma casa. Dentro da Ciudad
amurallada, de frente para o mar do Caribe, lá estava ela. Do alto da
muralha fiquei um bom tempo mirando a casa cercada de muros e imaginando se de
um daqueles cômodos envidraçados ele fitaria o mar buscando inspiração para
seus livros. Será que dali nasceu alguma obra? Imagino que sim. Enquanto estava
ali, percebi uma movimentação de câmeras, e pessoas falando em inglês montando
equipamentos profissionais de filmagem. Me aproximei e perguntei do que se
tratava: “Estamos filmando O amor nos
tempos do cólera”, me responderam. Claro, fiquei por ali acompanhando o dia
de filmagem, daquela que para mim é uma das mais incríveis histórias de amor já
escritas. Meses depois iria conferir no cinema a adaptação do livro de Garcia
Marques e recordar aquele dia de janeiro em Cartagena. Ele deixa saudades. Mas
com a diferença dos que partem sem deixar vestígios, em seu lugar ficou um
legado de obras primas, que cem anos são poucos para absorver em toda a sua
grandeza.
Fachada da casa de Gabriel Garcia Marques em Cartagena de Índias
Uma das movimentadas ruas de comércio da ciudad amurallada
Carroças circulam pelas vielas da antiga cidade colonial
Cartagena é uma das cidades colonias mais bem conservadas do mundo e Patrimônio da Humanidade
Gabriel provavelmente se inspirava de sua janela com essa visão do Caribe
Do outro lado da "cidade velha", a moderna Cartagena se abre para o mar
Em um dia das filmagens de O amor nos tempos do cólera
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