Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

domingo, 8 de março de 2015

Um ano de solidão

Um ano de solidão


Há um ano o mundo se despedia de Gabriel Garcia Marques. Jornalista, cronista, escritor fez da palavra tudo o que um grande homem pôde conseguir da vida e recebeu o que toda e qualquer pessoa que escreve sonha um dia ganhar: um prêmio Nobel. Sua vida foi dedicada à escrita. Cedo ainda conheci A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada, e daí não parei mais: Olhos de cão azul; Cem anos de solidão, analisado, dissecado na faculdade nas aulas de literatura; ainda durante o curso de Letras, Do amor e outros demônios; no início da vida na Alemanha, ainda sem conseguir ler nada no idioma nativo, procurei por alternativas e me deparei com a versão em espanhol de Relato de un naufrago, que devorei em algumas horas; retornei à mesma livraria tempos depois para pegar La mala hora  e Cien anos de solitud; tempos depois, em viagem a Buenos Aires, a aquisição de La increíble e triste historia de La cándida Eréndira y de su abuela desalmada e Ojos de perro azul; De Santiago do Chile vieram El otono del patriarca e Los funerales de La Mamá Grande; para as aulas de jornalismo, um clássico: Notícia de um seqüestro, mas antes Memórias das minhas putas tristes, obra produzida na sua maturidade. São muitos os meus Garcia Marques, que ocupam um lugar de destaque na minha estante, local de fácil visualização, onde passo sempre os olhos e vez ou outra retiro da prateleira para ler algum trecho. Um dia, visitando as prateleiras de uma grande livraria, passei os olhos rapidamente pelos livros quando barei de repente sobre um título: El olor de La guayaba. Conversaciones com Plínio Apuleyo Mendoza. Como que em câmera lenta fui me aproximando do livro que há tempos buscava em sebos sem sucesso.

Minha geração foi extremamente tocada pelo realismo mágico das obras de Garcia Marques, e parecia que aquele estilo respondia às nossas ansiedades de entender um mundo dividido ideologicamente, que tentava sair da ditadura, da censura, da política opressora, e vislumbrava à sua frente todas as possibilidades que a imaginação literária pudesse fornecer. Aquela literatura era um alento e nos dizia que o sonho não era incompatível com a realidade nem com o futuro que queríamos. Ele representava para nós o orgulho de termos na América latina um escritor daquela natureza, companheiro de Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Pablo Neruda, Julio Cortazar, Luis Borges.  Esses autores escreviam poesia, contos, romances, mas o que os iluminava era o sonho da liberdade e de um mundo mais justo.


Em janeiro de 2007 fiz uma viagem a Cartagena de Índias. Meu roteiro incluía um passeio pela rua onde Gabriel Garcia Marques mantinha uma casa. Dentro da Ciudad amurallada, de frente para o mar do Caribe, lá estava ela. Do alto da muralha fiquei um bom tempo mirando a casa cercada de muros e imaginando se de um daqueles cômodos envidraçados ele fitaria o mar buscando inspiração para seus livros. Será que dali nasceu alguma obra? Imagino que sim. Enquanto estava ali, percebi uma movimentação de câmeras, e pessoas falando em inglês montando equipamentos profissionais de filmagem. Me aproximei e perguntei do que se tratava: “Estamos filmando O amor nos tempos do cólera”, me responderam. Claro, fiquei por ali acompanhando o dia de filmagem, daquela que para mim é uma das mais incríveis histórias de amor já escritas. Meses depois iria conferir no cinema a adaptação do livro de Garcia Marques e recordar aquele dia de janeiro em Cartagena. Ele deixa saudades. Mas com a diferença dos que partem sem deixar vestígios, em seu lugar ficou um legado de obras primas, que cem anos são poucos para absorver em toda a sua grandeza.
Fachada da casa de Gabriel Garcia Marques em Cartagena de Índias
Uma das movimentadas ruas de comércio da ciudad amurallada
Carroças circulam pelas vielas da antiga cidade colonial 
Cartagena é uma das cidades colonias mais bem conservadas do mundo e Patrimônio da Humanidade
Gabriel provavelmente se inspirava de sua janela com essa visão do Caribe
Do outro lado da "cidade velha", a moderna Cartagena se abre para o mar
Em um dia das filmagens de O amor nos tempos do cólera

Nenhum comentário: