Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

domingo, 8 de março de 2015

Textos do Caribe,[1] entre o Amor nos Tempos do Cólera[2] e Outros Demônios[3]
Andréia T. Couto[4]

“El 28 de febrero de 1955 se conoció la noticia de que ocho miembros de la tripulación del destructor ‘Caldas’, de la marina de guerra de Colômbia, habían caído al água  y desaparecido a causa de uma tormenta em el mar Caribe. La nave viajaba desde Móbile, Estados Unidos, donde había sido sometida a reparaciones, hacia el puerto colombiano de Cartagena, a donde llegó sin retraso dos horas después de la tragédia. La búsqueda de los náufragos se inició de inmediato, com la colaboración de las fuerzas  norteamericanas del Canal de Panamá, que hacen ofícios de control militar y otras obras de caridad em el sur del Caribe. Al cabo de cuatro dias se desistió de la búsqueda, y los marineros perdidos fueron declarados oficialmente muertos. Uma semana más tarde, sin embargo, uno de ellos apareció moribundo en uma playa desierta del norte de Colombia, después de permanecer diez dias sin comer ni beber en uma balsa a la deriva. Se llamaba Luis Alejandro Velasco. Este livro es uma reconstrucción periodística de lo que él me contó, tal como fué publicada un mes despues del desastre  por el diário  ‘El Espectador’ de Bogotá”.

Assim tem início um dos livros mais encantadores de Gabriel García Marques, Relato de un naufrago[5]. Jornalista, Marques trabalhou para jornais em Cartagena, Barranquilla e depois no El Espectador de Bogotá; em Caracas e foi representante da imprensa latino americana, através da agência cubana, para as Nações Unidas. Estudioso de cinema, fez grandes trabalhos como repórter e crítico de cinema; escritor, foi prêmio Nobel de Literatura no ano de 1982, com o livro Cem anos de Solidão. Sua obra tem estreita ligação com sua terra natal (nasceu no dia 6 de março de 1928 na aldeia de Aracataca – a Macondo a que se refere em Cem anos de solidão[6]), o mar do Caribe e Cartagena de Índias, onde, aliás, ainda mantém uma casa de onde pode observar, das janelas e varandas, o por do sol nas águas caribenhas, atrás das muralhas da ‘ciudad vieja’. Impossível ler algumas obras de García Marques sem remontar ao litoral caribenho de Cartagena, ponto de chegada e partida de um dos portos mais importantes da América Latina e de onde ele foi observar e buscar inspiração para suas histórias. E assim é igualmente impossível visitar Cartagena sem pensar que ali, por entre as vielas da ‘cidade amuralhada’, lá esteve por tantos anos vivendo e escrevendo seus artigos e romances. Marques não vive mais em Cartagena, mas a ela retorna de tempos em tempos, quem sabe para buscar mais inspiração para outro novo romance – o narrador de Memória de minhas putas tristes[7], seu último romance, menciona Cartagena de Índias em seus relatos. García Marques deixa sua marca como escritor não somente por ser um dos grandes nomes da literatura mundial, mas também como um dos maiores representantes da vertente literária denominada “realismo mágico” ou “realismo fantástico”.  

Uma caminhada por entre as estreitas ruas da cidade velha de Cartagena remete imediatamente aos relatos de Marques. Única cidade a conservar intacta as muralhas ao seu redor, a velha Cartagena abriga em seu interior, lindamente preservado o casario do século XVI, representante ímpar e mais bem conservado do estilo colonial espanhol dos sobradões com sacadas. Ao entrar na cidade velha através da Porta do Relógio, a impressão é de atravessar cinco séculos de história: o choque é imediato. Mas não se pode deixar levar pelas primeiras impressões dessa travessia, quando se cai diretamente na parte mais popular da cidade amuralhada, com seu mercado, as ruelas apinhadas de gente e vendedores ambulantes, que vendem todo tipo de quinquilharias, artigos artesanais para turistas, até as coloridas frutas tropicais. À medida que se avança pelas ruas, em direção à outra entrada da muralha, pela avenida à beira mar, começa a surgir o outro lado da cidade velha, tão atraente quanto o primeiro, mas agora com um aspecto mais sofisticado: restaurantes típicos da culinária creole, da cozinha cubana, espanhola, italiana; joalherias com esmeraldas para todos os olhares e bolsos; lojas de artesanato indígena, butiques, cafés, livrarias – duas especialmente simpáticas e aconchegantes, sendo que uma delas oferece o privilégio de folhear um livro da sacada do café em frente ao mar. Cartagena é isso, duas cidades em uma: a cidade moderna, cosmopolita, com altos edifícios, onde funciona a parte comercial, com hotéis cinco estrelas, as praias lotadas em época de temporada, principal destino turístico dos colombianos; e a cidade velha, cercada e protegida pela muralha, iniciada em 1586, sendo concluída em 1796, uma lembrança da época dos bucaneiros que navegavam pelo Caribe em tempos remotos. Ainda estão lá, voltados para o mar, ameaçadores canhões a proteger a pequenina cidade. Para complementar a proteção, igrejas e mais igrejas, todas muito conservadas, do período colonial. A Catedral possui a pequena janela onde os delatores deixavam suas mensagens para os encarregados da Inquisição. Há também o Palácio da Inquisição, onde eram julgados os delitos contra a igreja católica. Não se pode também deixar de visitar os museus, principalmente o Museo del oro y Arqueologia, o Museo de Arte Moderno, o Naval, entre outros. Caminhar sobre as muralhas – é possível fazer isso em toda a sua extensão, parando de tempo em tempo para apreciar o mar, tomando um drinque no Café del Mar, com cadeiras rentes à muralha, ao som de música trance, vendo o por do sol, é uma glória. São muitas as atrações dessa cidade secular, um lugar para apreciar com tempo, se possível no verão, para aproveitar a praia e as ilhas próximas, Rosário, San Andrés...ou simplesmente tomar sol, caminhar e aproveitar as delícias da cozinha colombiana e da hospitalidade dos sorridentes caribenhos.

 Texto originalmente publicado na revista Griffe, Jundiaí, em 2007.










[1] Gabriel García Marques. Textos do Caribe - Volume 1 e 2. Editora RCB, 1987.
[2] Gabriel García Marques. O amor nos tempos do cólera. Rio de Janeiro: Record, 1985.
[3] Gabriel García Marques. Do Amor e Outros Demônios. Rio de Janeiro: Record, 1994.
[4] Professora dos cursos de Letras e Jornalismo da Universidade Paulista. atcouto @hotmail.com
[5] Gabriel García Marques. Relato de um naufrago. Bogotá: El Oveja Negra, 1970.
[6] Gabriel García Marques. Cien años de soledad. Barcelona: Ed. Argos Vergara, 1981.
[7] Gabriel García Marques. Memória de minhas putas tristes. Rio de Janeiro: Record, 2005.

Nenhum comentário: