Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

terça-feira, 31 de março de 2015

Textos Revista Griffe 
(Viagem)
Ruanda, o país das mil colinas
Se hoje ouvimos falar em Ruanda e essa palavra não causa mais certo estranhamento, um pouco se deve ao filme Hotel Ruanda, que ficou em cartaz nos cinemas brasileiros durante vários meses, com certo sucesso de público. O filme relata, de uma forma sensível, um dos episódios mais marcantes ocorridos durante o genocídio de 1994, quando a França mobilizou a chamada Operação Amarílis para retirar do país o contingente de estrangeiros, deixando estupefatos os ruandeses à sua própria sorte. O filme relata a história do gerente de um dos mais conhecidos hotéis da capital ruandesa, Kigali, o Hôtel des Mille Colines, que tentou ajudar 200 refugiados tutsi que lá se abrigaram tentando fugir da fúria descontrolada da população hutu que perseguia todo e qualquer cidadão, homem, mulher e crianças da etnia tutsi.
O genocídio ocorrido em Ruanda teve desdobramentos nefastos – cerca de um milhão de mortos em três meses de massacre e hoje esse pequeno país talvez esteja um pouco mais em evidência devido ao material produzido sobre ele a partir de 2004 quando houve uma série de manifestações, principalmente na França e na Bélgica, por ocasião dos dez anos do genocídio. No entanto, aqui pouco ou quase nada se falou. Os jornais franceses e belgas, por motivos óbvios de seu envolvimento histórico com o país, trouxeram à tona debates e artigos de pesquisadores, escritores e jornalistas que se dedicam à região há anos. O que ficou gravado na memória de quem se recorda desse episódio foi que naquela época, em um país longínquo e minúsculo país da África Central, que no mapa aparece menor que o lago Vitória, o maior lago do continente africano, houve um conflito étnico entre duas etnias rivais – tutsi e hutu, e que, como ocorre sempre na África, acabou por causar milhares de mortes entre os dois grupos. O senso comum assim analisa o que vem ocorrendo no continente africano desde o desmonte do sistema colonial, no final da década de 50: grupos de etnias diferentes, historicamente rivais, matando-se uns aos outros. No entanto, as rivalidades étnicas, simplesmente, não são suficientes para explicar a complexa situação africana desde o processo de descolonização. Nos anos de 1950, aos poucos, um a um dos países africanos, então sob o jugo de países europeus como Inglaterra, França, Bélgica, entre outros, foram tornando possível o seu desmembramento – pelo menos oficial - de suas metrópoles. O que se viu a seguir à libertação foi a explosão de uma série de conflitos e guerras civis, levadas a cabo pelos “senhores da guerra” que se aproveitaram da euforia da população e da fragilidade social, política e econômica do momento, para se transformarem, do dia para a noite, em “generais” despreparados que acederam ao poder através de golpes de estados, tramóias, golpes de sorte e contando com a ignorância de uma massa de famintos e desesperados, sob a observação complacente de seus antigos protegidos. Foi assim em boa parte da África e casos notórios foram a Uganda de Idi Amin, a Etiópia de Salassié, entre tantos outros.
Ruanda é conhecido como o “país das mil colinas”. E não é para menos, as paisagens que vi passar diante dos meus olhos, desde o instante em que o avião começou a sobrevoar o país eram de um oceano de ondas verdes, ondulando a perder de vista, até passarem para o tom cinzento. E também é o país da eterna primeira. Certa tarde de chuva, na biblioteca central da Universidade Nacional de Ruanda, estava lendo o livro de Dian Fossey (que passou mais de treze anos na região até ser assassinada, crime que jamais foi esclarecido, mas suspeita-se dos caçadores nas montanhas dos gorilas que ela tanto combatia), me deparei com a seguinte declaração: “antes de ir a África, a imagem que tinha desse continente era a de imensas savanas sob um calor infernal. Engano total, pois passava meus dias encharcada sob a chuva da região equatorial e com muito frio (...) quando se pensa na África, se imagina geralmente os planaltos imensos sob um sol perpétuo. Para mim, a África era chuva, o frio e a bruma da floresta de Birunga”.
Compreendi muito bem o que ela quis dizer, pois a imagem das extensas savanas africanas possivelmente serão mais apropriadas aos países vizinhos do leste, Tanzânia e Quênia. A temperatura na época em que estive na região, entre dezembro e fevereiro, é amena e a noite, na região perto da floresta de Nyungwe (que abriga uma das nascentes do rio Nilo), cai bastante.
            Kigali, a capital, circundada por colinas por todos os lados, tem cerca de 800 mil habitantes e é uma cidade efervescente e muito surpreendente. Com financiamento principalmente da comunidade européia, está sendo reestruturada e por todos os lugares se vê avenidas sendo asfaltadas, ampliadas, canteiros centrais sendo ajardinados, praças e rotatórias sendo reformadas, muitos jardins sendo plantados e gramados refeitos. Nessa tarefa de transformar várias regiões da cidade em extensos jardins, são empregadas muitas pessoas, que sentadas no chão, plantam uma a uma as mudinhas de grama. Um programa do governo está transferindo, através de um projeto de moradia popular, os casebres das margens das avenidas e ruas para casas de alvenaria em bairros populares. Muitos prédios, residenciais e comerciais em construção, compartilham o espaço urbano dessa cidade onde se pode encontrar de tudo – de cyber cafés a feiras e mercados tradicionais.
O que mais oferece Ruanda para o visitante? O parque Nacional de Akaguera, na parte leste do país, um verdadeiro safári para ver zebras, elefantes, okapis – um antílope da região. E principalmente o Parque Nacional de Virunga, onde se encontra a Montanha dos Gorilas, espécies únicos no mundo. Mas Ruanda é um país ainda a ser descoberto. Pouco a pouco os turistas vão chegando e a infra-estrutura para recebê-los vai se estabelecendo. Sem dúvida uma aventura inesquecível.


Uma das extensas plantações de chá ao sul de Ruanda



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