Textos Revista Griffe
(Viagem)
Ruanda, o país das mil colinas
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Ruanda, o país das mil colinas
Se hoje ouvimos falar em
Ruanda e essa palavra não causa mais certo estranhamento, um pouco se deve ao
filme Hotel Ruanda, que ficou em
cartaz nos cinemas brasileiros durante vários meses, com certo sucesso de
público. O filme relata, de uma forma sensível, um dos episódios mais marcantes
ocorridos durante o genocídio de 1994, quando a França mobilizou a chamada
Operação Amarílis para retirar do país o contingente de estrangeiros, deixando
estupefatos os ruandeses à sua própria sorte. O filme relata a história do
gerente de um dos mais conhecidos hotéis da capital ruandesa, Kigali, o Hôtel
des Mille Colines, que tentou ajudar 200 refugiados tutsi que lá se abrigaram
tentando fugir da fúria descontrolada da população hutu que perseguia todo e
qualquer cidadão, homem, mulher e crianças da etnia tutsi.
O genocídio ocorrido em
Ruanda teve desdobramentos nefastos – cerca de um milhão de mortos em três
meses de massacre e hoje esse pequeno país talvez esteja um pouco mais em
evidência devido ao material produzido sobre ele a partir de 2004 quando houve
uma série de manifestações, principalmente na França e na Bélgica, por ocasião
dos dez anos do genocídio. No entanto, aqui pouco ou quase nada se falou. Os
jornais franceses e belgas, por motivos óbvios de seu envolvimento histórico
com o país, trouxeram à tona debates e artigos de pesquisadores, escritores e
jornalistas que se dedicam à região há anos. O que ficou gravado na memória de
quem se recorda desse episódio foi que naquela época, em um país longínquo e
minúsculo país da África Central, que no mapa aparece menor que o lago Vitória,
o maior lago do continente africano, houve um conflito étnico entre duas etnias
rivais – tutsi e hutu, e que, como ocorre sempre na África, acabou por causar
milhares de mortes entre os dois grupos. O senso comum assim analisa o que vem
ocorrendo no continente africano desde o desmonte do sistema colonial, no final
da década de 50: grupos de etnias diferentes, historicamente rivais, matando-se
uns aos outros. No entanto, as rivalidades étnicas, simplesmente, não são
suficientes para explicar a complexa situação africana desde o processo de
descolonização. Nos anos de 1950, aos poucos, um a um dos países africanos,
então sob o jugo de países europeus como Inglaterra, França, Bélgica, entre
outros, foram tornando possível o seu desmembramento – pelo menos oficial - de
suas metrópoles. O que se viu a seguir à libertação foi a explosão de uma série
de conflitos e guerras civis, levadas a cabo pelos “senhores da guerra” que se
aproveitaram da euforia da população e da fragilidade social, política e
econômica do momento, para se transformarem, do dia para a noite, em “generais”
despreparados que acederam ao poder através de golpes de estados, tramóias,
golpes de sorte e contando com a ignorância de uma massa de famintos e
desesperados, sob a observação complacente de seus antigos protegidos. Foi
assim em boa parte da África e casos notórios foram a Uganda de Idi Amin, a
Etiópia de Salassié, entre tantos outros.
Ruanda é conhecido como o
“país das mil colinas”. E não é para menos, as paisagens que vi passar diante
dos meus olhos, desde o instante em que o avião começou a sobrevoar o país eram
de um oceano de ondas verdes, ondulando a perder de vista, até passarem para o
tom cinzento. E também é o país da eterna primeira. Certa tarde de chuva, na
biblioteca central da Universidade Nacional de Ruanda, estava lendo o livro de
Dian Fossey (que passou mais de treze anos na região até ser assassinada, crime
que jamais foi esclarecido, mas suspeita-se dos caçadores nas montanhas dos
gorilas que ela tanto combatia), me deparei com a seguinte declaração: “antes
de ir a África, a imagem que tinha desse continente era a de imensas savanas
sob um calor infernal. Engano total, pois passava meus dias encharcada sob a
chuva da região equatorial e com muito frio (...) quando se pensa na África, se
imagina geralmente os planaltos imensos sob um sol perpétuo. Para mim, a África
era chuva, o frio e a bruma da floresta de Birunga”.
Compreendi muito bem o
que ela quis dizer, pois a imagem das extensas savanas africanas possivelmente
serão mais apropriadas aos países vizinhos do leste, Tanzânia e Quênia. A
temperatura na época em que estive na região, entre dezembro e fevereiro, é
amena e a noite, na região perto da floresta de Nyungwe (que abriga uma das
nascentes do rio Nilo), cai bastante.
Kigali,
a capital, circundada por colinas por todos os lados, tem cerca de 800 mil
habitantes e é uma cidade efervescente e muito surpreendente. Com financiamento
principalmente da comunidade européia, está sendo reestruturada e por todos os
lugares se vê avenidas sendo asfaltadas, ampliadas, canteiros centrais sendo
ajardinados, praças e rotatórias sendo reformadas, muitos jardins sendo
plantados e gramados refeitos. Nessa tarefa de transformar várias regiões da
cidade em extensos jardins, são empregadas muitas pessoas, que sentadas no
chão, plantam uma a uma as mudinhas de grama. Um programa do governo está
transferindo, através de um projeto de moradia popular, os casebres das margens
das avenidas e ruas para casas de alvenaria em bairros populares. Muitos
prédios, residenciais e comerciais em construção, compartilham o espaço urbano
dessa cidade onde se pode encontrar de tudo – de cyber cafés a feiras e mercados tradicionais.
O que mais oferece Ruanda
para o visitante? O parque Nacional de Akaguera, na parte leste do país, um
verdadeiro safári para ver zebras, elefantes, okapis – um antílope da região. E
principalmente o Parque Nacional de Virunga, onde se encontra a Montanha dos
Gorilas, espécies únicos no mundo. Mas Ruanda é um país ainda a ser descoberto.
Pouco a pouco os turistas vão chegando e a infra-estrutura para recebê-los vai
se estabelecendo. Sem dúvida uma aventura inesquecível.
Uma das extensas plantações de chá ao sul de Ruanda
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