Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

terça-feira, 31 de março de 2015

Textos Revista Griffe
(Viagem)

Maghreb – a jóia de Ali Babá
Andréia T. Couto
Conhecer a África sempre foi um sonho de criança, mesmo sem saber que os lugares que tanto queria ver ficavam exatamente no continente africano. As imagens vinham de livros infantis que falavam de terras distantes, de guerreiros, de mágicos, camelos e cavernas, de véus e transparências, de tapetes e turbantes. Já se vê que os lugares da imaginação localizavam-se, principalmente, no norte da África, mais precisamente na região do Maghreb. Os livros prediletos eram, entre outros, os de Malba Tahan, autor que, já adulta, descobri, com certa decepção, que era brasileiro e não árabe. Mas não importa, com ele fiz minhas primeiras descobertas em terras estrangeiras e reforcei meu principal traço: a de me atirar, à primeira chance, em alguma viagem desconhecida. E assim foi. A primeira vez que pisei em solo africano foi no outono de 1990. Mas só pisei. Foi uma conexão de algumas horas, durante a madrugada, no aeroporto de Dakkar, no Senegal. Mas serviu como aperitivo para aguçar minha curiosidade sobre o lugar. A primeira impressão? Entre névoas da memória já quase dissipadas de 16 anos, me lembro de pessoas muito altas e magras, com roupas diferentes, estampadas e coloridas que me pareceram muito bonitas. Tudo isso mesclado ao cheiro de maresia, cansaço pela viagem que já durava mais de dez horas, depois de duas conexões anteriores: de São Paulo para Assunção, no Paraguai, de lá para o Rio de Janeiro e então para Dakkar. Ainda teria que enfrentar mais duas conexões, uma em Madrid e outra em Bruxelas, para finalmente chegar em Frankfurt, onde me esperava meu ex-marido. A viagem, na extinta LAP – Líneas Aéreas Paraguaias, oferecia um bilhete a mil dólares, o mais em conta na época para o bolso de dois pós-graduandos, foi ainda mais penosa porque eu não podia desgrudar de uma pequena caixa branca de cerca de trinta centímetros de largura e comprimento, que continha 25 pequenas aranhas. Meu então marido, biólogo, precisava delas vivas para dar continuidade ao seu experimento de doutorado na Technische Universität Braunschweig, na Alemanha. Chegaram quase todas mortas. Hoje provavelmente nem teria conseguido sair com elas do Brasil.
Precisei esperar oito anos para voltar à África, dessa vez era eu que fazia meu doutorado em Paris e foi de lá que parti, em uma viagem bem mais agradável, pela Royal Air Maroc, de três horas de duração, para Tanger, no Marrocos. A emoção era tanta que, ao aterrissar no aeroporto de Tanger, cuja pista fica literalmente à beira do Atlântico, desatei a chorar.  Ainda hoje me emociono com aquela chegada. Ia sozinha, e antes da partida ouvi dos amigos uma frase que me acompanha até hoje: “Você é louca, vai para a África sozinha! Vai ser raptada, morta, etc...”.

Foram três semanas de pura apreciação, meus olhos tentando captar o máximo de imagens possíveis, já que não havia fotos para tantos momentos. O cérebro deveria abrigar as imagens, a luminosidade, os cheiros, as sensações de atravessar o país de trem em meio a imensas plantações de melão, para que, quando já cansada de rever as fotos desgastadas, recorreria à memória para me trazer os muros da cidade vermelha, como é conhecida Marrakech, as cores do Jardin Majorrel, restaurado por Yves Saint-Laurent, os mosaicos dos pisos dos museus de Tanger, as vielas da Medina de Fèz, os incontáveis entalhes que fazem da arte árabe um deleite para os olhos. Tanger fica às bordas do Atlântico, encostada ao estreito de Gibraltar. Do alto das colinas, vê-se toda a cidade, com seus inúmeros minaretes, as casas brancas, de construção retangular, com telhados retos de telhado verde. Ao longe, a abóbada vermelha e brilhante de uma mesquita e, mais além, uma parte do porto. Uma cidade turística (sempre exerceu atração a artistas, pintores, escritores, cineastas), pronta a oferecer aos visitantes as iguarias da  preciosa culinária marroquina: para ficar nos pratos mais conhecidos, o cuscus (que não tem nada a ver com o nosso), o tagine, a sopa hariri, os peixes e frutos do mar...em uma confeitaria, descobri prateleiras de finos doces, recheados ou cobertos com amêndoas, e salpicados com água de flor de laranjeira. Em Fez assisti, durante a noite um espetáculo incrível: Do alto de uma colina, em uma espécie de teatro grego, assiste-se um jogo de luzes que cobre toda a cidade, tornando-a, por alguns minutos, iluminada por inteiro, enquanto uma voz narra toda a história das dinastias que passaram por ali, desde a sua fundação. Fèz é parte do circuito chamado de “as cidades imperiais”: Marrakech, Meknès e Rabat e cada uma dessas cidades abriga preciosidades arquitetônicas e artísticas: a mesquita de Karou, em Fèz, foi fundada em 857 e abriga a Universidade Muçulmana de Fèz, um dos principais centros intelectuais do Maghreb. Em Meknès, o Dar Jamai, exemplo de palácio luxuoso da alta burguesia marroquina do final do século XIX, é hoje um museu. E ainda tem o deserto, as neves das montanhas do Atlas e muito mais. Precisei estar ali, em meio a tantas sensações visuais, olfativas e auditivas – apaixonei-me definitivamente pela música do Maghreb, conhecida como Raï – para compreender o porquê do fascínio de Malba Tahan sobre minha mente de criança. Inch Allah!
Entrada de uma mesquite em Fez

Marrakesh

Tanger, diante do Estreito de Gibraltar
Textos Revista Griffe 
(Viagem)
Ruanda, o país das mil colinas
Se hoje ouvimos falar em Ruanda e essa palavra não causa mais certo estranhamento, um pouco se deve ao filme Hotel Ruanda, que ficou em cartaz nos cinemas brasileiros durante vários meses, com certo sucesso de público. O filme relata, de uma forma sensível, um dos episódios mais marcantes ocorridos durante o genocídio de 1994, quando a França mobilizou a chamada Operação Amarílis para retirar do país o contingente de estrangeiros, deixando estupefatos os ruandeses à sua própria sorte. O filme relata a história do gerente de um dos mais conhecidos hotéis da capital ruandesa, Kigali, o Hôtel des Mille Colines, que tentou ajudar 200 refugiados tutsi que lá se abrigaram tentando fugir da fúria descontrolada da população hutu que perseguia todo e qualquer cidadão, homem, mulher e crianças da etnia tutsi.
O genocídio ocorrido em Ruanda teve desdobramentos nefastos – cerca de um milhão de mortos em três meses de massacre e hoje esse pequeno país talvez esteja um pouco mais em evidência devido ao material produzido sobre ele a partir de 2004 quando houve uma série de manifestações, principalmente na França e na Bélgica, por ocasião dos dez anos do genocídio. No entanto, aqui pouco ou quase nada se falou. Os jornais franceses e belgas, por motivos óbvios de seu envolvimento histórico com o país, trouxeram à tona debates e artigos de pesquisadores, escritores e jornalistas que se dedicam à região há anos. O que ficou gravado na memória de quem se recorda desse episódio foi que naquela época, em um país longínquo e minúsculo país da África Central, que no mapa aparece menor que o lago Vitória, o maior lago do continente africano, houve um conflito étnico entre duas etnias rivais – tutsi e hutu, e que, como ocorre sempre na África, acabou por causar milhares de mortes entre os dois grupos. O senso comum assim analisa o que vem ocorrendo no continente africano desde o desmonte do sistema colonial, no final da década de 50: grupos de etnias diferentes, historicamente rivais, matando-se uns aos outros. No entanto, as rivalidades étnicas, simplesmente, não são suficientes para explicar a complexa situação africana desde o processo de descolonização. Nos anos de 1950, aos poucos, um a um dos países africanos, então sob o jugo de países europeus como Inglaterra, França, Bélgica, entre outros, foram tornando possível o seu desmembramento – pelo menos oficial - de suas metrópoles. O que se viu a seguir à libertação foi a explosão de uma série de conflitos e guerras civis, levadas a cabo pelos “senhores da guerra” que se aproveitaram da euforia da população e da fragilidade social, política e econômica do momento, para se transformarem, do dia para a noite, em “generais” despreparados que acederam ao poder através de golpes de estados, tramóias, golpes de sorte e contando com a ignorância de uma massa de famintos e desesperados, sob a observação complacente de seus antigos protegidos. Foi assim em boa parte da África e casos notórios foram a Uganda de Idi Amin, a Etiópia de Salassié, entre tantos outros.
Ruanda é conhecido como o “país das mil colinas”. E não é para menos, as paisagens que vi passar diante dos meus olhos, desde o instante em que o avião começou a sobrevoar o país eram de um oceano de ondas verdes, ondulando a perder de vista, até passarem para o tom cinzento. E também é o país da eterna primeira. Certa tarde de chuva, na biblioteca central da Universidade Nacional de Ruanda, estava lendo o livro de Dian Fossey (que passou mais de treze anos na região até ser assassinada, crime que jamais foi esclarecido, mas suspeita-se dos caçadores nas montanhas dos gorilas que ela tanto combatia), me deparei com a seguinte declaração: “antes de ir a África, a imagem que tinha desse continente era a de imensas savanas sob um calor infernal. Engano total, pois passava meus dias encharcada sob a chuva da região equatorial e com muito frio (...) quando se pensa na África, se imagina geralmente os planaltos imensos sob um sol perpétuo. Para mim, a África era chuva, o frio e a bruma da floresta de Birunga”.
Compreendi muito bem o que ela quis dizer, pois a imagem das extensas savanas africanas possivelmente serão mais apropriadas aos países vizinhos do leste, Tanzânia e Quênia. A temperatura na época em que estive na região, entre dezembro e fevereiro, é amena e a noite, na região perto da floresta de Nyungwe (que abriga uma das nascentes do rio Nilo), cai bastante.
            Kigali, a capital, circundada por colinas por todos os lados, tem cerca de 800 mil habitantes e é uma cidade efervescente e muito surpreendente. Com financiamento principalmente da comunidade européia, está sendo reestruturada e por todos os lugares se vê avenidas sendo asfaltadas, ampliadas, canteiros centrais sendo ajardinados, praças e rotatórias sendo reformadas, muitos jardins sendo plantados e gramados refeitos. Nessa tarefa de transformar várias regiões da cidade em extensos jardins, são empregadas muitas pessoas, que sentadas no chão, plantam uma a uma as mudinhas de grama. Um programa do governo está transferindo, através de um projeto de moradia popular, os casebres das margens das avenidas e ruas para casas de alvenaria em bairros populares. Muitos prédios, residenciais e comerciais em construção, compartilham o espaço urbano dessa cidade onde se pode encontrar de tudo – de cyber cafés a feiras e mercados tradicionais.
O que mais oferece Ruanda para o visitante? O parque Nacional de Akaguera, na parte leste do país, um verdadeiro safári para ver zebras, elefantes, okapis – um antílope da região. E principalmente o Parque Nacional de Virunga, onde se encontra a Montanha dos Gorilas, espécies únicos no mundo. Mas Ruanda é um país ainda a ser descoberto. Pouco a pouco os turistas vão chegando e a infra-estrutura para recebê-los vai se estabelecendo. Sem dúvida uma aventura inesquecível.


Uma das extensas plantações de chá ao sul de Ruanda



Textos da Revista Griffe

(viagem)
Durban, o primeiro contato com o Reino Zulu
A partir dessa cidade moderna e tradicional, descortina-se a herança das tradições zulu. Sanibonani! *

Em um momento em que o Brasil estreita o contato com o continente africano, a África do Sul tem estado na rota quase que obrigatória desse caminho. Primeiro por uma questão estratégica, uma vez que a maneira mais rápida para se chegar hoje à África, principalmente para quem sai das regiões sul e sudeste, é partir para Johannesburgo. De lá, toma-se o destino para inúmeras rotas dentro do vasto continente que, malgrado nossas raízes históricas, é ainda muito desconhecido para grande parte dos brasileiros. Segundo, porque o Brasil começa a perceber que não muito distante – apenas sete horas de vôo entre São Paulo-Johannesburgo - encontra-se um país extremamente interessante e acessível. A começar pelo fato de nós, brasileiros, não precisarmos de visto para entrarmos na África do Sul. Pouco a pouco o Brasil começa a se interessar pelo vizinho do outro lado do Atlântico.
No caminho de volta de Ruanda, fiquei alguns dias na África do Sul. Como não tinha a menor idéia do que encontraria pela frente, me informei no hotel em que estava hospedada em Johannesburgo como faria para chegar até Durban e onde ficar. O próprio hotel fez a reserva e compra do bilhete de ônibus e o motorista do hotel me levou até a estação – tudo isso cortesia do hotel. Detalhe: o trajeto entre o Nest Dove Hotel, uma simpática pousada a cinco minutos do Aeroporto Internacional de Johannesburgo, e o Park Station, no centro da cidade, demora cerca de 40 minutos. Mas por lá é assim: os hotéis oferecem serviços grátis de translado para aeroporto, estações de ônibus, levam os hóspedes até casas de câmbio ou para comprar passagens, embora os táxis não sejam caros, nem cobrem preços diferencias para turistas. Nesse ponto segue-se uma observação importante: o povo da África do Sul é muito simpático. Há um lema por lá que diz: “Sorria sempre. O sul-africano aprecia muito os gestos de gentileza”. E assim é: um “bom dia!” com sorriso e você é tratado com simpatia e cortesia por todos. 
Durban está localizada a 500 quilômetros de Johannesburgo e sete horas de viagem de ônibus. Dependendo do preço, que não varia muito, pode-se pegar um ônibus melhor e direto entre as duas cidades. A chegada a Durban, nas primeiras horas do dia, foi incerta: para onde ir? Por onde começar a procurar? Diante da estação de ônibus, vi um Íbis Hotel, e fui tomar as primeiras informações. O porteiro, um congolês de Bukavu, cidade que eu havia visitado no Congo no ano anterior, ficou feliz em saber que eu conhecia sua cidade natal e me indicou o mais conhecido albergue de Durban, para onde se dirigiam, segundo ele, todos os mochileiros que chegam à cidade: o Banana´s Backpakers, na Embassador House. Me colocou no táxi com a recomendação, diante do motorista, de que eu não deveria pagar mais que 30 rands. Na chegada ao albergue, paguei 50.
            A África do Sul é um país que parece ter sido organizado para se fazer turismo: a infra-estrutura turística é impecável, a rede hoteleira imensa, para todos os gostos e bolsos: desde de admiráveis hotéis cinco estrelas, em suas principais cidades e pontos estratégicos de beleza natural, como seus grandes Parques Nacionais – o mais famoso é o Krueger Park, mas muitos outros espalhados pelo país, até as inúmeras possibilidades de escolhas para aqueles que planejam uma viagem mais descontraída e com modestos recursos financeiros: os albergues da juventude são simpáticos, limpos e agradáveis e ainda se pode conhecer pessoas do mundo inteiro. O Banana´s Backpackers, onde fiquei, organiza excursões para variados locais, desde próximos a Durban até para outros países vizinhos, como Moçambique, Lesoto, Botswana, Namíbia. Também oferece diferentes opções de viagens para todos os bolsos: de ônibus, carros alugados, de avião. E o melhor: para os brasileiros, o câmbio está bastante favorável – um real vale no câmbio oficial cerca de 5,6 ZAR (Zouth African Rands, na língua africâner), além de ser um país de custo relativamente barato. O turista deve guardar os recibos de tudo o que comprar, pois no final da viagem, no aeroporto, pode ter de volta o que lhe foi cobrado de imposto.
São muitos os encantos da cidade, desde os atrativos noturnos de bares, boates, restaurantes aos programas para quem gosta de esportes. Durban oferece a possibilidade de mergulhos, caminhadas, rafting, trekking, surf, pescarias, passeios e contatos com a cultura zulu. O Aquarium uShaka Marine World é um Aquário situado na orla de onde se pode apreciar (!) bem de perto imensos tubarões brancos.
A cidade, a maior da Província de KwaZulu-Natal, situada de frente para o Oceano Índico, é um exemplo da grande diversidade cultural existente por aqueles lados. Abriga o maior porto da África, localizado em Bay of Natal e por ali chegam e saem navios em direção a todos os oceanos. É a porta de entrada de muitos povos, que aportam em Durban trazendo suas roupas típicas, seus temperos estrangeiros expressos em uma culinária desconhecida e atrativa. Nas ruas da cidade, em grandes praças, ao lado de tendas de roupas, artesanato e utensílios, pode-se provar das delícias preparadas principalmente por indianos, ao longo da Ajmeri Arcade, na Grey Street. Como uma cidade dinâmica e organizada, o centro abriga edifícios elegantes do início do século XX, como o City Hall, circundado por prédios de arquitetura moderna. A orla marítima é agradável e limpa e na parte mais movimentada, uma extensa feira de artesanato local, que lembra as nossas feiras hippies das cidades litorâneas. A avenida que acompanha a praia é repleta de grandes hotéis acondicionados em edifícios envidraçados que se abrem para o mar. Bares, restaurantes e cafés fazem a delícia dos turistas ociosos que podem se dar ao luxo de ficar horas sentados observando o desfile de culturas que passa diante dos olhos: mulheres cobertas por burkas negras, sem ao menos deixar os olhos à vista (sob um sol de 32 graus!), acompanham suas crianças à praia, passando ao lado de turistas européias que tomam sol de top less. Os indianos e árabes são parte considerável da população, sempre vestidos como em suas terras de origem.
O Workshop é um grande mercado localizado na região central onde, além das muitas lojas de alimentos e temperos, pode-se encontrar lojas de artesanatos de grande parte do continente, desde os mais singelos, em madeira ou de palha, até imensas girafas esculpidas em madeira. Trazer uma “lembrança” dessas para o Brasil só se for despachada em um container – serviço que os donos das lojas já incluem no preço do objeto e fazem todo o translado das esculturas. Ao lado do Wokshop, no prédio do Tourism Jounction, um centro de artesanato com os objetos mais típicos produzidos pelos povos da África do Sul, desde cerâmicas, esculturas em madeira, máscaras indígenas, bordados, uma infinidade de artigos refinados e coloridos. O artesanato  tradicional é produzido à maneira antiga e os trabalhos de tecelagem, que recobrem cestos, tigelas e esteiras são feitos com uma combinação enorme de cores. O trabalho feito de contas da arte zulu tem uma história tradicional muito interessante, cada objeto coberto com diferentes combinações de cores tem significados diferentes, pois entre as mulheres Zulu, a elaboração de um trabalho de tecelagem colorido, pode deixar alguma mensagem de amor, ciúme ou desgosto na sua criação. Por exemplo, uma conta branca (ithambo) representa amor; uma conta negra (isitimane) significa desgosto, solidão e desapontamento, enquanto que uma conta verde (ululaza) implica ciúme ou paixão.



* Benvindo
Minhas companheiras da tanzãnia e da Irlanda no Banana´s Hostel, em Durban

domingo, 8 de março de 2015

Para ler no Dia Internacional da Mulher

Para ler no Dia Internacional da Mulher

A Argélia, ex colônia francesa, se debate desde o fim da colonização entre assumir suas origens árabes e levar adiante as reformas conservadoras em direção aos seus costumes e na adoção de um Estado atrelado à religião (97% da população se declara muçulmana) ou adotar um Estado laico e viver aos moldes ocidentais.
País francofônico, desde o desmonte da colonização já enviou à França incontáveis argelinos à França e seus descendentes estão longe de receberem um tratamento igualitário. 
As mulheres ainda sofrem para terem seus direitos mínimos assegurados, uma vez que  o sistema legal do País seja baseado nas leis francesa e islâmica, essa última prevalecendo sempre que se trata dos direitos das mulheres.
Abaixo está um texto publicado no Le Monde de 06 de março sobre uma nova investida sobre o direito feminino.

http://www.algerie-focus.com/blog/2015/03/non-tu-nes-coupable-de-mavoir-excite/

 

O Le Monde publica texto de Abdou Semmar, editorialista da revista  eletrônica Algerie Focus, a propósito de um projeto aprovado pelo Parlamento argelino sobre violência contra as mulheres. Para muitos, vai contra os preceitos da charia, e querem acrescentar um dispositivo que penaliza as mulheres vestidas em saia ou jeans, mulheres que saem às ruas de maneira provocante. Isso acendeu a cólera de Semmar, que escreveu  o editorial « Não, você não tem culpa de ter me excitado », que por sua vez provocou inúmeras reações dos conservadores.

Em uma tradução livre, o texto diz mais ou menos o seguinte:

« Não, você não tem culpa de ter me excitado »

“Sou um homem. Sou um argelino, como todos os outros que povoam esse país bizarro chamado Argélia. Sou um homem argelino como tantos outros que existem em nosso país. Mas sou um homem que recusa culpabilizar a mulher que sai às ruas desfilando sua beleza ou sua feminilidade”.
Continua dizendo que, mesmo que isso não agrade aos seus congêneres, não se sente chocado nem terrificado quando uma mulher, jovem ou adulta,  passa ao seu lado na rua vestindo um jeans ou uma saia, mesmo se essa saia seja considerada muito ou pouco curta. Não fica terrificado quando uma mulher atrai seu olhar na rua porque ela é bonita ou charmosa, tampouco se sente um monstro quando uma mulher o atrai porque suas roupas ressaltam sua beleza.
“Amo a beleza da mulher porque amo a vida. A beleza de uma mulher é para mim uma promessa de felicidade. E desejo viver feliz. Não tenho pesadelos e não grito ou faço escândalo porque uma mulher suscitou em mim um desejo ou uma pulsação. E portanto, sou tão argelino quanto esses deputados  que querem impor  uma lei penalizando as mulheres acusadas de se vestir de maneira “provocante”. Onde está a provocação quando uma mulher coloca um vestido, uma saia ou um jeans? Amar a beleza, respeitá-la, desejá-la não parece em nada vergonhoso como acreditam esses deputados e outros argelinos”.
(...)
Esse tipo de atitude obscurece a lucidez de muitos dos meus compatriotas. E eu, eu sou um homem argelino e não compreendo porque um homem fica necessariamente excitado assim que percebe uma ínfima parte do corpo de uma mulher. Sim, eu sou, portanto, um homem argelino, e eu não acuso uma mulher de ter me excitado. Sou um homem argelino e consigo perfeitamente me controlar, gerir meus baixos instintos sem ter que violar. Não tenho necessidade de uma lei para me proteger dos meus impulsos. Sou suficiente maduro para legislar sobre minha sexualidade.

Creio sinceramente que nossos deputados generosamente pagos devem me proteger de outros flagelos que de fato assolam meu país. (...)Sou um homem argelino e penso sinceramente que uma mulher não poderá jamais ser culpada por ter me excitado”.


Textos do Caribe,[1] entre o Amor nos Tempos do Cólera[2] e Outros Demônios[3]
Andréia T. Couto[4]

“El 28 de febrero de 1955 se conoció la noticia de que ocho miembros de la tripulación del destructor ‘Caldas’, de la marina de guerra de Colômbia, habían caído al água  y desaparecido a causa de uma tormenta em el mar Caribe. La nave viajaba desde Móbile, Estados Unidos, donde había sido sometida a reparaciones, hacia el puerto colombiano de Cartagena, a donde llegó sin retraso dos horas después de la tragédia. La búsqueda de los náufragos se inició de inmediato, com la colaboración de las fuerzas  norteamericanas del Canal de Panamá, que hacen ofícios de control militar y otras obras de caridad em el sur del Caribe. Al cabo de cuatro dias se desistió de la búsqueda, y los marineros perdidos fueron declarados oficialmente muertos. Uma semana más tarde, sin embargo, uno de ellos apareció moribundo en uma playa desierta del norte de Colombia, después de permanecer diez dias sin comer ni beber en uma balsa a la deriva. Se llamaba Luis Alejandro Velasco. Este livro es uma reconstrucción periodística de lo que él me contó, tal como fué publicada un mes despues del desastre  por el diário  ‘El Espectador’ de Bogotá”.

Assim tem início um dos livros mais encantadores de Gabriel García Marques, Relato de un naufrago[5]. Jornalista, Marques trabalhou para jornais em Cartagena, Barranquilla e depois no El Espectador de Bogotá; em Caracas e foi representante da imprensa latino americana, através da agência cubana, para as Nações Unidas. Estudioso de cinema, fez grandes trabalhos como repórter e crítico de cinema; escritor, foi prêmio Nobel de Literatura no ano de 1982, com o livro Cem anos de Solidão. Sua obra tem estreita ligação com sua terra natal (nasceu no dia 6 de março de 1928 na aldeia de Aracataca – a Macondo a que se refere em Cem anos de solidão[6]), o mar do Caribe e Cartagena de Índias, onde, aliás, ainda mantém uma casa de onde pode observar, das janelas e varandas, o por do sol nas águas caribenhas, atrás das muralhas da ‘ciudad vieja’. Impossível ler algumas obras de García Marques sem remontar ao litoral caribenho de Cartagena, ponto de chegada e partida de um dos portos mais importantes da América Latina e de onde ele foi observar e buscar inspiração para suas histórias. E assim é igualmente impossível visitar Cartagena sem pensar que ali, por entre as vielas da ‘cidade amuralhada’, lá esteve por tantos anos vivendo e escrevendo seus artigos e romances. Marques não vive mais em Cartagena, mas a ela retorna de tempos em tempos, quem sabe para buscar mais inspiração para outro novo romance – o narrador de Memória de minhas putas tristes[7], seu último romance, menciona Cartagena de Índias em seus relatos. García Marques deixa sua marca como escritor não somente por ser um dos grandes nomes da literatura mundial, mas também como um dos maiores representantes da vertente literária denominada “realismo mágico” ou “realismo fantástico”.  

Uma caminhada por entre as estreitas ruas da cidade velha de Cartagena remete imediatamente aos relatos de Marques. Única cidade a conservar intacta as muralhas ao seu redor, a velha Cartagena abriga em seu interior, lindamente preservado o casario do século XVI, representante ímpar e mais bem conservado do estilo colonial espanhol dos sobradões com sacadas. Ao entrar na cidade velha através da Porta do Relógio, a impressão é de atravessar cinco séculos de história: o choque é imediato. Mas não se pode deixar levar pelas primeiras impressões dessa travessia, quando se cai diretamente na parte mais popular da cidade amuralhada, com seu mercado, as ruelas apinhadas de gente e vendedores ambulantes, que vendem todo tipo de quinquilharias, artigos artesanais para turistas, até as coloridas frutas tropicais. À medida que se avança pelas ruas, em direção à outra entrada da muralha, pela avenida à beira mar, começa a surgir o outro lado da cidade velha, tão atraente quanto o primeiro, mas agora com um aspecto mais sofisticado: restaurantes típicos da culinária creole, da cozinha cubana, espanhola, italiana; joalherias com esmeraldas para todos os olhares e bolsos; lojas de artesanato indígena, butiques, cafés, livrarias – duas especialmente simpáticas e aconchegantes, sendo que uma delas oferece o privilégio de folhear um livro da sacada do café em frente ao mar. Cartagena é isso, duas cidades em uma: a cidade moderna, cosmopolita, com altos edifícios, onde funciona a parte comercial, com hotéis cinco estrelas, as praias lotadas em época de temporada, principal destino turístico dos colombianos; e a cidade velha, cercada e protegida pela muralha, iniciada em 1586, sendo concluída em 1796, uma lembrança da época dos bucaneiros que navegavam pelo Caribe em tempos remotos. Ainda estão lá, voltados para o mar, ameaçadores canhões a proteger a pequenina cidade. Para complementar a proteção, igrejas e mais igrejas, todas muito conservadas, do período colonial. A Catedral possui a pequena janela onde os delatores deixavam suas mensagens para os encarregados da Inquisição. Há também o Palácio da Inquisição, onde eram julgados os delitos contra a igreja católica. Não se pode também deixar de visitar os museus, principalmente o Museo del oro y Arqueologia, o Museo de Arte Moderno, o Naval, entre outros. Caminhar sobre as muralhas – é possível fazer isso em toda a sua extensão, parando de tempo em tempo para apreciar o mar, tomando um drinque no Café del Mar, com cadeiras rentes à muralha, ao som de música trance, vendo o por do sol, é uma glória. São muitas as atrações dessa cidade secular, um lugar para apreciar com tempo, se possível no verão, para aproveitar a praia e as ilhas próximas, Rosário, San Andrés...ou simplesmente tomar sol, caminhar e aproveitar as delícias da cozinha colombiana e da hospitalidade dos sorridentes caribenhos.

 Texto originalmente publicado na revista Griffe, Jundiaí, em 2007.










[1] Gabriel García Marques. Textos do Caribe - Volume 1 e 2. Editora RCB, 1987.
[2] Gabriel García Marques. O amor nos tempos do cólera. Rio de Janeiro: Record, 1985.
[3] Gabriel García Marques. Do Amor e Outros Demônios. Rio de Janeiro: Record, 1994.
[4] Professora dos cursos de Letras e Jornalismo da Universidade Paulista. atcouto @hotmail.com
[5] Gabriel García Marques. Relato de um naufrago. Bogotá: El Oveja Negra, 1970.
[6] Gabriel García Marques. Cien años de soledad. Barcelona: Ed. Argos Vergara, 1981.
[7] Gabriel García Marques. Memória de minhas putas tristes. Rio de Janeiro: Record, 2005.

Um ano de solidão

Um ano de solidão


Há um ano o mundo se despedia de Gabriel Garcia Marques. Jornalista, cronista, escritor fez da palavra tudo o que um grande homem pôde conseguir da vida e recebeu o que toda e qualquer pessoa que escreve sonha um dia ganhar: um prêmio Nobel. Sua vida foi dedicada à escrita. Cedo ainda conheci A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada, e daí não parei mais: Olhos de cão azul; Cem anos de solidão, analisado, dissecado na faculdade nas aulas de literatura; ainda durante o curso de Letras, Do amor e outros demônios; no início da vida na Alemanha, ainda sem conseguir ler nada no idioma nativo, procurei por alternativas e me deparei com a versão em espanhol de Relato de un naufrago, que devorei em algumas horas; retornei à mesma livraria tempos depois para pegar La mala hora  e Cien anos de solitud; tempos depois, em viagem a Buenos Aires, a aquisição de La increíble e triste historia de La cándida Eréndira y de su abuela desalmada e Ojos de perro azul; De Santiago do Chile vieram El otono del patriarca e Los funerales de La Mamá Grande; para as aulas de jornalismo, um clássico: Notícia de um seqüestro, mas antes Memórias das minhas putas tristes, obra produzida na sua maturidade. São muitos os meus Garcia Marques, que ocupam um lugar de destaque na minha estante, local de fácil visualização, onde passo sempre os olhos e vez ou outra retiro da prateleira para ler algum trecho. Um dia, visitando as prateleiras de uma grande livraria, passei os olhos rapidamente pelos livros quando barei de repente sobre um título: El olor de La guayaba. Conversaciones com Plínio Apuleyo Mendoza. Como que em câmera lenta fui me aproximando do livro que há tempos buscava em sebos sem sucesso.

Minha geração foi extremamente tocada pelo realismo mágico das obras de Garcia Marques, e parecia que aquele estilo respondia às nossas ansiedades de entender um mundo dividido ideologicamente, que tentava sair da ditadura, da censura, da política opressora, e vislumbrava à sua frente todas as possibilidades que a imaginação literária pudesse fornecer. Aquela literatura era um alento e nos dizia que o sonho não era incompatível com a realidade nem com o futuro que queríamos. Ele representava para nós o orgulho de termos na América latina um escritor daquela natureza, companheiro de Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Pablo Neruda, Julio Cortazar, Luis Borges.  Esses autores escreviam poesia, contos, romances, mas o que os iluminava era o sonho da liberdade e de um mundo mais justo.


Em janeiro de 2007 fiz uma viagem a Cartagena de Índias. Meu roteiro incluía um passeio pela rua onde Gabriel Garcia Marques mantinha uma casa. Dentro da Ciudad amurallada, de frente para o mar do Caribe, lá estava ela. Do alto da muralha fiquei um bom tempo mirando a casa cercada de muros e imaginando se de um daqueles cômodos envidraçados ele fitaria o mar buscando inspiração para seus livros. Será que dali nasceu alguma obra? Imagino que sim. Enquanto estava ali, percebi uma movimentação de câmeras, e pessoas falando em inglês montando equipamentos profissionais de filmagem. Me aproximei e perguntei do que se tratava: “Estamos filmando O amor nos tempos do cólera”, me responderam. Claro, fiquei por ali acompanhando o dia de filmagem, daquela que para mim é uma das mais incríveis histórias de amor já escritas. Meses depois iria conferir no cinema a adaptação do livro de Garcia Marques e recordar aquele dia de janeiro em Cartagena. Ele deixa saudades. Mas com a diferença dos que partem sem deixar vestígios, em seu lugar ficou um legado de obras primas, que cem anos são poucos para absorver em toda a sua grandeza.
Fachada da casa de Gabriel Garcia Marques em Cartagena de Índias
Uma das movimentadas ruas de comércio da ciudad amurallada
Carroças circulam pelas vielas da antiga cidade colonial 
Cartagena é uma das cidades colonias mais bem conservadas do mundo e Patrimônio da Humanidade
Gabriel provavelmente se inspirava de sua janela com essa visão do Caribe
Do outro lado da "cidade velha", a moderna Cartagena se abre para o mar
Em um dia das filmagens de O amor nos tempos do cólera