Textos Revista Griffe
(Viagem)
Maghreb – a jóia de Ali Babá
(Viagem)
Maghreb – a jóia de Ali Babá
Andréia T. Couto
Conhecer a
África sempre foi um sonho de criança, mesmo sem saber que os lugares que tanto
queria ver ficavam exatamente no continente africano. As imagens vinham de
livros infantis que falavam de terras distantes, de guerreiros, de mágicos,
camelos e cavernas, de véus e transparências, de tapetes e turbantes. Já se vê
que os lugares da imaginação localizavam-se, principalmente, no norte da
África, mais precisamente na região do Maghreb. Os livros prediletos eram,
entre outros, os de Malba Tahan, autor que, já adulta, descobri, com certa
decepção, que era brasileiro e não árabe. Mas não importa, com ele fiz minhas
primeiras descobertas em terras estrangeiras e reforcei meu principal traço: a
de me atirar, à primeira chance, em alguma viagem desconhecida. E assim foi. A
primeira vez que pisei em solo africano foi no outono de 1990. Mas só pisei.
Foi uma conexão de algumas horas, durante a madrugada, no aeroporto de Dakkar,
no Senegal. Mas serviu como aperitivo para aguçar minha curiosidade sobre o
lugar. A primeira impressão? Entre névoas da memória já quase dissipadas de 16
anos, me lembro de pessoas muito altas e magras, com roupas diferentes,
estampadas e coloridas que me pareceram muito bonitas. Tudo isso mesclado ao
cheiro de maresia, cansaço pela viagem que já durava mais de dez horas, depois
de duas conexões anteriores: de São Paulo para Assunção, no Paraguai, de lá
para o Rio de Janeiro e então para Dakkar. Ainda teria que enfrentar mais duas
conexões, uma em Madrid e outra em Bruxelas, para finalmente chegar em
Frankfurt, onde me esperava meu ex-marido. A viagem, na extinta LAP – Líneas
Aéreas Paraguaias, oferecia um bilhete a mil dólares, o mais em conta na época
para o bolso de dois pós-graduandos, foi ainda mais penosa porque eu não podia
desgrudar de uma pequena caixa branca de cerca de trinta centímetros de largura
e comprimento, que continha 25 pequenas aranhas. Meu então marido, biólogo,
precisava delas vivas para dar continuidade ao seu experimento de doutorado na
Technische Universität Braunschweig, na Alemanha. Chegaram quase todas mortas.
Hoje provavelmente nem teria conseguido sair com elas do Brasil.
Precisei esperar
oito anos para voltar à África, dessa vez era eu que fazia meu doutorado em
Paris e foi de lá que parti, em uma viagem bem mais agradável, pela Royal Air
Maroc, de três horas de duração, para Tanger, no Marrocos. A emoção era tanta
que, ao aterrissar no aeroporto de Tanger, cuja pista fica literalmente à beira
do Atlântico, desatei a chorar. Ainda
hoje me emociono com aquela chegada. Ia sozinha, e antes da partida ouvi dos
amigos uma frase que me acompanha até hoje: “Você é louca, vai para a África
sozinha! Vai ser raptada, morta, etc...”.
Foram três
semanas de pura apreciação, meus olhos tentando captar o máximo de imagens
possíveis, já que não havia fotos para tantos momentos. O cérebro deveria
abrigar as imagens, a luminosidade, os cheiros, as sensações de atravessar o
país de trem em meio a imensas plantações de melão, para que, quando já cansada
de rever as fotos desgastadas, recorreria à memória para me trazer os muros da
cidade vermelha, como é conhecida Marrakech, as cores do Jardin Majorrel, restaurado
por Yves Saint-Laurent, os mosaicos dos pisos dos museus de Tanger, as vielas
da Medina de Fèz, os incontáveis entalhes que fazem da arte árabe um deleite
para os olhos. Tanger fica às bordas do Atlântico, encostada ao estreito de
Gibraltar. Do alto das colinas, vê-se toda a cidade, com seus inúmeros
minaretes, as casas brancas, de construção retangular, com telhados retos de
telhado verde. Ao longe, a abóbada vermelha e brilhante de uma mesquita e, mais
além, uma parte do porto. Uma cidade turística (sempre exerceu atração a
artistas, pintores, escritores, cineastas), pronta a oferecer aos visitantes as
iguarias da preciosa culinária
marroquina: para ficar nos pratos mais conhecidos, o cuscus (que não tem nada a
ver com o nosso), o tagine, a sopa hariri, os peixes e frutos do mar...em uma
confeitaria, descobri prateleiras de finos doces, recheados ou cobertos com
amêndoas, e salpicados com água de flor de laranjeira. Em Fez assisti, durante
a noite um espetáculo incrível: Do alto de uma colina, em uma espécie de teatro
grego, assiste-se um jogo de luzes que cobre toda a cidade, tornando-a, por
alguns minutos, iluminada por inteiro, enquanto uma voz narra toda a história
das dinastias que passaram por ali, desde a sua fundação. Fèz é parte do
circuito chamado de “as cidades imperiais”: Marrakech, Meknès e Rabat e cada
uma dessas cidades abriga preciosidades arquitetônicas e artísticas: a mesquita
de Karou, em Fèz, foi fundada em 857 e abriga a Universidade Muçulmana de Fèz, um
dos principais centros intelectuais do Maghreb. Em Meknès, o Dar Jamai, exemplo
de palácio luxuoso da alta burguesia marroquina do final do século XIX, é hoje
um museu. E ainda tem o deserto, as neves das montanhas do Atlas e muito mais. Precisei
estar ali, em meio a tantas sensações visuais, olfativas e auditivas –
apaixonei-me definitivamente pela música do Maghreb, conhecida como Raï – para
compreender o porquê do fascínio de Malba Tahan sobre minha mente de criança.
Inch Allah!
Entrada de uma mesquite em Fez
Marrakesh
Tanger, diante do Estreito de Gibraltar