Muitas são as formas de passarmos pelo mundo. Muitos são os caminhos, obstáculos, realizações. Mil são as nossas colinas diárias a serem transpostas. Do alto de cada uma delas, podemos observar nossos rastros olhando para trás e, adiante, contemplando o horizonte, o que queremos realizar.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Os artesãos das palavras

            Os contadores de histórias são personagens conhecidos hoje. São diversos os eventos que chamam esses personagens para se apresentam principalmente para contar histórias para crianças nas mais variadas situações, desde festas de aniversários e encontros em praças públicas a eventos promovidos por livrarias.
            O que muita gente não sabe é que o contador de história tem sua origem muito tempo atrás e em lugares muito distantes de nós.
            Recentemente um grupo de alunos do curso de jornalismo decidiu realizar um vídeo documentário sobre uma entidade denominada Griots que, a exemplo de grupos que percorrem a ala infantil de hospitais para levantar a moral de crianças internadas, ao invés de se fantasiarem como os já conhecidos Hospitalhaços, os Griots do documentário contam histórias para as crianças. Não por acaso, escolheram o nome de Griot para o grupo. Perguntados durante a apresentação se sabiam a origem do nome griot (na grafia francesa do termo), os alunos disseram que não. Pois bem, esse grupo de contadores de história se denominou Griot porque muito provavelmente conhecem a bonita e importante história dos griots africanos. Assim, pessoal, é importante, sim, saber a origem do nome do grupo sobre o qual farão o documentário. Mesmo porque, se “querem vender o seu peixe”, quanto mais informação sobre ele fornecerem, mais poderão pedir por ele, certo? E conhecimento não ocupa espaço.
            Então vamos lá:
            De acordo com Ahmadou Kourouma, do livro Homens da África[1], o

“griô é uma instituição da antiga civilização mandinga ou do Mali e pertence a uma casta socialmente inferior aos nobres e mostra respeito por eles em todas as ocasiões. Ele vive da generosidade dos nobres e só pode se casar com uma mulher da própria casta. (...) No Antigo Reino Mandinga, cada príncipe tinha um griô e era seu protetor. O griô acompanhava o príncipe em suas caminhadas e cuidava do protocolo. Hoje em dia esses artesãos das palavras não são designados a ninguém. São livres, públicos e ambulantes.
Quais são as funções do griô?
Nas reuniões públicas, o griô apresenta seu protetor e declama sua genealogia. Ele lhe propõe louvores. Quem não tem um griô particular e participa de uma dessas reuniões é louvado por um griô público. O homem da palavra serve de porta-voz nas assembleias e de conciliador nas controvérsias. Intervém como mediador entre indivíduos e famílias. Sabe tratar de todo tipo de procedimento, especialmente dos pedidos de casamento. E serve de arauto, anunciando as novidades de interesse geral para a população.
O griô é poeta e músico. Toca xilofione e kora. (...)
O griô conhece e ensina a história dos mandingas, com destaque para Sundjata, o imperador que unificou as terras desse povo. O griô guarda também a memória das genealogias dos clãs, a qual declama e glorifica durante as reuniões públicas” (pp. 10-16).


            Na chamada “África profunda”, nas sociedades negro-africanas que não adotam a escrita e têm na oralidade a sua principal fonte de transmissão do saber, a figura dos anciãos como guardadores da memória coletiva é imprescindível para a manutenção da história dos povos dos quais fazem parte. São pessoas idosas que pela idade têm o respeito dos outros como aqueles que têm a experiência e a sabedoria da vivência de muitos fatos. São chamados para resolverem problemas, questões de famílias e da aldeia, fazem discursos e resolvem situações que necessitam de algum tipo de intervenção, julgamento e punição aos considerados culpados. Normalmente reúnem-se sob a árvore da sabedoria (árvore da palavra, árvore da vida) junto às pessoas da aldeia durante eventos importantes. São os guardiões da palavra e da memória através da palavra. E a palavra, para esses povos, é algo sagrado e que não deve ser proferida em vão. Assim, pensar antes de falar e, sobretudo, refletir sobre as palavras, é algo extremamente importante para eles. A “metralhadora verborrágica”, tão comum na nossa sociedade, que dá atenção àqueles que falam muito e falam rápido, sem, no entanto falarem não importa o quê com a intenção que não outra senão a de chamarem a atenção para si mesmos, não tem vez nessa sociedade, que preza a sabedoria das palavras proferidas com intenções específicas. Algumas sociedades, como a ruandesa, os sábios anciãos contavam a história de seu povo remontando há séculos atrás, sabendo dizer toda a genealogia dos príncipes e reis que antecederam os atuais de seu povo.
            Ao conhecer um pouco mais sobre a história desse personagem tão importante, agora vocês entendem o porquê da escolha do grupo pesquisado sobre esse nome, e, portanto, sobre a intenção dele em se autodenominar Griot. Nada é por acaso, não é? Então, futuros jornalistas, nada de ficar na superfície, certo? Curiosidade faz parte da profissão de vocês!
Bom trabalho!



[1] Edições SM, 2009.

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